Apercebi-me recentemente de que não existem artigos profundos sobre xuning na internet. Ou melhor, não fiz a mínima pesquisa, mas apeteceu-me escrever sobre o assunto e decidi apresentar-me não só como pioneiro como também como especialista.
É assim que se chega ao topo: mentindo. Isso aprendi com a política.
O que é xuning? A etimologia é popular e advém da justaposição da palavra “xunga” e da palavra “tuning”. Vale a pena lembrar que um xunga é uma pessoa básica, com pouco conhecimento de comunicação verbal, normas sociais aberrantes e uma tendência para o inter-acasalamento e que tuning é uma palavra inglesa significando “afinamento”.
E podem já voltar para a escola todas as pessoas que estiverem a ler-me e que sintam a tentação de me mandar um mail a avisar que se escreve “tunning”. Basta um conhecimento básico de inglês para perceber que “tuning” não leva dois “n”, caso contrário teria uma pronunciação completamente diferente.
Bom, digo “voltar para a escola”, partindo do princípio que alguns de vocês têm, efectivamente, uma educação.
Xuning é portanto afinação de automóveis levada a cabo por xungas. O xuning distingue-se do tuning de várias maneiras: na generalidade dos casos, o tuning começa no motor e outras partes móveis do veículo, tentando dar-lhe mais potência, melhor performance, comportamento dinâmico e essas paneleirices automobilísticas e, geralmente, acaba por alterar o aspecto do carro com o mesmo objectivo: redução de peso, modificação do corpo para obter mais aerodinâmica, etc.
O xuning é a arte de alterar o aspecto exterior de um veículo, conferindo-lhe detalhes “desportivos”, tornando o carro geralmente mais pesado, barulhento e foleiro, sem por isso ser especialmente mais rápido ou ágil.
Tampão de alumíno
Um dos apetrechos de xuning mais vistos nas ruas é o autocolante colocado na tampa de acesso ao depósito de gasolina que simula um tampão de alumínio, semelhante aos encontrados nalgumas motos.
Não consigo imaginar ninguém a acabar de colar uma destas trampas no seu depósito a olhar para a obra e achar que está impecável. É foleiro, não serve qualquer propósito e fica sempre mal colado.
Gosto especialmente quando o génio tem que cortar um pedaço do autocolante para conseguir adaptar o autocolante a uma qualquer forma menos plana do seu automóvel. Não menos brilhante são gajos que colam autocolantes redondos em tampas rectangulares… eu sei, eu sei: geometria é uma ciência complexa.
Falsas entradas de ar
Há coisa mais patética do que colar um tupperware, cortado ao meio, em cima do capot do carro para fingir que é uma entrada para arrefecer o turbo que o carro nem sequer tem? Ainda mais lindas são as que têm um bocado de rede de capoeira a fingir de “favo de abelha”. Pura beleza!
Quão anormal é preciso ser-se para achar que o Peugeot 205 a cair de podre só pode ser melhorado com a adição desta ideia deficiente? Suponho que o xunga médio não tenha qualquer espécie de sentido crítico.
Aliás, no fundo, falta de sentido crítico é um dom da população no geral.
Plásticos pintados
Uma das características dos carros desportivos é que têm os plásticos na cor da carroçaria, vai daí, o xunguinha vai ao Leroy e compra duas latas de esmalte vermelho e toca de pintar o pára-choques do Opel Corsa de 86 de vermelho.
Fica ainda mais bonito quando o Sol começa a descascar o esmalte. Sem dúvida nenhuma que o carro ganha um ar agressivo na estrada! Sim… agressivo como em: “aquele idiota deve ser perigoso ao volante, afasta-te dele!”
Pontas de escape falsas
Uma modificação que geralmente melhora a performance dos automóveis é a troca do sistema de escape por um mais eficiente. O motor livra-se dos gazes com mais facilidade e consegue oferecer mais meio cavalo ou dois de potencia.
Como o xunga não tem dinheiro para mandar substituir todo o sistema de escape do seu Fiat Punto, toca de comprar umas ponteiras cromadas que se põem sobre o velho escape de lata escaqueirada para fingir que tem um sistema de escape todo pipi. Patético.
Super subwoofer a passar música de merda
Aqui está algo sem o qual o verdadeiro xuner não pode passar. Aliás, suspeito que a maior fatia do orçamento do xuner vá para o sistema de som. Já que o carro não anda nada, o melhor mesmo é fazer-se notar passeando-se pelas ruas secundárias da cidade a bombar a maior merda destilada de euro-techno e hip-hop de Chelas que for possível.
O volume é ensurdecedor e a música é tão fatela que faz virar cabeças. Cabeças de pessoas que pensam: “mas quem é a aventesma que está a ouvir esta trampa?!”
Asa do tamanho de um banco de jardim
Como, na generalidade, os carros dos xuners são latas velhas a cair de podre, é conveniente que estejam equipados com uma asa traseira do tamanho de um banco de jardim – daqueles antigos em ripas. É que, quando o carro parar de vez, pelo menos têm onde se sentar enquanto esperam pelo reboque.
Lembro-me de ter visto uma vez um Fiat Uno com uma asa tão grande atrás que estive vai não vai para experimentar dar-lhe um toquezinho para ver se o carro se virava com o peso daquela aberração.
O boné
O boné não é um acessório para o carro: é um acessório para o condutor. Acho que está cientificamente provado que 99,9% de todos os xuners usam boné. E usam-no sempre: no trabalho (nas obras), na cama, no duche (mensal) e, claro, ao volante.
Como se o automóvel já não falasse pelo QI do seu dono, este apresenta-se constantemente com aquele apetrecho de cabeça – normal e aceitável nalgumas situações – a toda a hora e todo o momento. Com um detalhe: o boné do xuner está ajustado para a cabeça de uma criança de 6 anos (que é, em média, a idade mental do xuner), tornado o boné mais um bibelot pousado na mona do que propriamente um chapéu cobrindo a dita.
Embora não mereçam parágrafos – porque não me apetece – não nos esqueçamos das esponjas nos cintos de segurança e coberturas de neoprene para os bancos, com a palavra “racing” escrita; pedais e manete de mudanças em plástico cromado; CD pendurado no espelho para enganar os radares; autocolantes com desenhos “tribais” e/ou letras chinesas colados na carroçaria; LEDs nos mija-mija; uma bandeira de Portugal na chapeleira; bandanas nos encostos de cabeça e, quase sempre, um grupo de grunhos que não tenham mais nada para fazer senão andar í pendura, para trás e para a frente, nos subúrbios aos fins de semana.
A língua portuguesa é muito variada, rica e flexível. Consegue dizer-se tudo e mais alguma coisa com as palavras que temos í nossa disposição de uma maneira simples e até mesmo, elegante.
No entanto, quanto mais o nosso mundo é dominado por senhores de fato e gravata que não sabem fazer nada e passam os dias a falar, mais ouvimos dizer coisas que não lembram nem ao proverbial menino das palhinhas.
Um exemplo é a palavra visualizar. Eu sou designer e faço toda a espécie de imagens: ilustrações, layouts, logos, etc. E para mim, visualizar é o processo de transformar uma ideia numa imagem, muitas vezes mental – tornar a ideia visual e mais concreta, permitindo-me torná-la imagem.
É por isso que, pessoas sem capacidade de visualização, geralmente não têm muito jeito para o desenho, porque não conseguem concentrar uma ideia numa imagem. Visualiza-la, para a concretizar.
Dito isto, se tivesse um euro por cada vez que alguém me pergunta se pode visualizar o logotipo disto ou daquilo, seria já milionário.
As pessoas querem clicar em icons para visualizar páginas, querem visualizar maquetes para darem a sua opinião, querem visualizar vídeos, que alguém lhes mandou por mail.
A tecnologia criou, aparentemente, esta necessidade nas pessoas. Mas não valia a pena. A língua portuguesa já nos oferece uma palavra excelente para todas estas situações, um verbo simples e directo: ver.
Ver.
É tão simples. Ver um vídeo, uma imagem, uma página na web. Ver!
Curiosamente, as pessoas vão ao cinema ver um filme, mas se o processo envolver, algures, um computador, passa a ser visualizar. Mas não é preciso, não vale a pena complicar só porque há mais tecnologia envolvida! Aliás… não é suposto a tecnologia simplificar-nos vida, em vez de a complicar?
E isto leva-me a outra palavra adorada pelos senhores de gravata e também pelas pessoas que andam de volta de tecnologia. Essa palavra é benchmarking.
Benchmarking vem de marcas feitas por técnicos de telemetria para facilitar as suas medições. E desde aí tem vindo a ser usado para muitas coisas, nomeadamente, em marketing para designar a análise feita aos produtos da concorrência para permitir tirar conclusões sobre a competitividade do produto de quem faz o benchmark.
No entanto, estamos em Portugal e portanto benchmarking ganha todo um novo significado: trata-se de executar uma análise dos produtos da concorrência para os copiar quase tintim por tintim: erros e tudo.
E esta é a parte mais grave: é que o benchmarking é suposto servir para analisar os pontos fortes da concorrência e perceber como se pode aprender com eles para melhorar o nosso produto. Não serve para arranjar soluções para todos os nossos problemas com base nas soluções da concorrência sem sequer analisar se essas soluções estão certas ou erradas.
Não é incomum, í pergunta: “porque é que o nosso produto tem uma base de plástico?”, obter a resposta: “a concorrência faz assim!”.
Ou seja: não temos uma base de plástico porque se compreendeu o problema e se decidiu que a melhor solução era a base de plástico. Tem-se, porque no benchmark se concluiu que a concorrência tem.
Isto tem tudo a ver com uma política generalizada de ignorância e desresponsabilização que grassa por aí: nunca ninguém ousa ter ideias ou tentar soluções diferentes, porque se der bronca não se pode culpar o benchmark.
Outra palavra desse maravilhoso mundo da bullshit generation é a palavra portugalidade. Eu sei que a palavra portugalidade significa, de facto, algo português ou relativo a Portugal ou í sua História e tradição. Mas valerá mesmo a pena invocar a dita portugalidade sempre que não se tem mais nada para dizer?
Colocando a coisa de forma monetária, novamente, eu teria já uma conta bancária bem recheada se me pagassem sempre que antevejo uma “portugalidade” a aproximar-se, durante uma reunião ou apresentação.
Porque não dizer, simplesmente: “o nosso produto é português e isso pode ser uma vantagem para o nosso público”. Valerá mesmo a pena dizer: “o nosso produto valoriza grandemente o eixo da portugalidade, oferecendo assim mais valias de mercado”?
Vou terminar com uma expressão que não vem do mundo dos negócios, esse antro bafiento, mas do mundo da bola.
É claro que podia estar aqui o dia inteiro a escrever sobre os abusos que os comentadores de futebol fazem da nossa língua, mas vou escolher apenas uma palavra: intencionalidade.
Não é incomum ouvirmos esta palavra várias vezes durante um relato de futebol: fulano de tal rematou ao lado, mas cheio de intencionalidade!
Duas coisas. Primeiro: eu não acredito que algum jogador de futebol remate sem intencionalidade! Para que raio estão eles ali a chutar a bola, se não é para a meter na baliza? Sempre que um jogador remata í baliza, fá-lo “com intencionalidade”. Ou será que, de vez enquando, o Rui Costa manda um granda petardo í baliza pensando “epá, espero que não entre”.
Duvido.
E segundo: porque não usar a palavra “intenção”? Porquê complicar e ir buscar “intencionalidade”, que é a qualidade daquilo que apresenta intenção? Se foi com intenção… digam intenção! Freddy Adu rematou com intenção!
Aliás, ele remata sempre com intenção, mas infelizmente, nem sempre a sua intenção se concretiza.
Para fãs do Pulp Fiction que sabem distinguir uma boa citação de uma citação vulgar. Podem clicar aqui para ver os detalhes e outras t-shirts minhas. [tags]t-shirt, spreadshirt, pulp, fiction[/tags] —————- A ouvir: Luke Vibert – Slipped Disc via FoxyTunes
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