Bayern \u00e9 um dos estados federais da Alemanha, ali\u00e1s, o maior, o segundo mais populoso e um dos mais ricos. Por c\u00e1, chamamos-lhe Baviera e \u00e9 onde fica M\u00fcnchen, ali\u00e1s, Munique. Terra de tradi\u00e7\u00f5es conservadoras, com os Alpes \u00ed\u00a0 vista e onde as fr\u00ed\u00a4ulein usam dirdnl, com as mamocas a sair por cima e os homens exibem as pernas sob os seus lederhosen, bem seguros com suspens\u00f3rios.<\/p>\n

Aqui, as vacas t\u00eam pouca sorte, mas s\u00e3o muito saborosas; no entanto, o prato regional \u00e9 a cerveja, ou melhor dizendo, a\u00c2\u00a0Wei\u00ed\u0178bier (‘weissbier’ – cerveja branca, feita \u00ed\u00a0 base de trigo) e com uma caneca dela na m\u00e3o, n\u00e3o dever\u00e1 ser preciso qualquer outro alimento. Aten\u00e7\u00e3o que uma “m\u00e9dia” na Baviera, corresponde a meio litro de cerveja. Para beberem uma dose aceit\u00e1vel de cerveja em M\u00fcnchen, h\u00e1 que pedir uma\u00c2\u00a0Ma\u00ed\u0178 (‘mass’), que corresponde a um litro e que abunda pelos Bierhallen e Bierg\u00ed\u00a4rten que h\u00e1 por todo o lado.<\/p>\n

Bom, mas isto para dizer que regressei recentemente de mais uma viagem ao servi\u00e7o da Impossible Labs. Estive pela segunda vez na pequena cidade B\u00e1vara de Penzberg, cerca de 40 minutos a sul de Munique, desta vez por cinco dias. Foi o primeiro local que visitei quando comecei na empresa, apenas durante um dia e portanto j\u00e1 tinha uma ideia do que me esperava, mas n\u00e3o em tanto pormenor.<\/p>\n

<\/p>\n

A vista de uma janela de um avi\u00e3o nunca perde o interesse.<\/em><\/p>\n

A viagem de Lisboa para Munique come\u00e7ou cedinho, numa segunda-feira de madrugada, a bordo de um t\u00e1xi almadense, rumo ao aeroporto. O voo – o meu 25\u00c2\u00ba em 14 meses -\u00c2\u00a0foi r\u00e1pido e praticamente indolor, mas a minha experi\u00eancia recente ajuda muito: a minha potencial ansiedade de viajante \u00e9 absolutamente nula e os movimentos j\u00e1 s\u00e3o praticamente autom\u00e1ticos a fazer o check-in da bagagem, passar a seguran\u00e7a, ir para a porta de embarque e odiar silenciosamente os galif\u00f5es que levam malas grandes demais para a cabine e as atiram ao acaso para a bagageira, como se mais ningu\u00e9m precisasse de l\u00e1 colocar as suas coisas.<\/p>\n

Em Munique fomos at\u00e9 ao balc\u00e3o da Avis buscar o carro alugado que nos serviria at\u00e9 ao s\u00e1bado seguinte. Como t\u00ed\u00adnhamos pedido uma Volkswagen Passat, foi-nos dado a escolher entre uma Renault Grand Sc\u00e9nic e um Peugeot 508. Como gosto tanto de Peugeots como de levar socos nas orelhas, escolhi a Renault e fiz-me \u00ed\u00a0 estrada com os meus colegas, ainda todos meio na d\u00favida sobre porque t\u00ed\u00adnhamos passado tanto tempo a conversar sobre que carro alugar at\u00e9 nos decidirmos pela Passat, para depois, afinal, termos que andar uma semana de Renault, mas talvez algu\u00e9m que perceba ag\u00eancias de aluguer de carros possa explicar.<\/p>\n

O primeiro dia foi, assim, dedicado a viajar. Uma viagem de tr\u00eas horas de avi\u00e3o consome cerca de seis horas e \u00e9 se for um v\u00ed\u00b4o directo, claro. O Renault mostrou ser um carro bastante aceit\u00e1vel, embora definitivamente aborrecido e ainda me deu um susto quando, sem querer, liguei um limitador de velocidade que me impediu de ultrapassar os 48 km\/h enquanto um camionista alem\u00e3o buzinava atr\u00e1s de mim. A princ\u00ed\u00adpio achei este limitador algo idiota, mas depois de ver como toda a gente cumpre religiosamente os limites de velocidade, sejam eles 120, 80 ou 50, tendo depois o prazer de abusar quando o limite \u00e9 inexistente, compreendi a utilidade da fun\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

<\/p>\n

Penzberg, visto da janela do hotel Berggeist.<\/em><\/p>\n

Os restantes dias foram passados a trabalhar que nem mouros, que, ao que parece, trabalhavam \u00ed\u00a0 brava. Todos os dias \u00e9ramos dos primeiros a chegar aos laborat\u00f3rios da Roche, \u00ed\u00a0 sa\u00ed\u00adda de Penzberg e v\u00e1rias vezes fomos os \u00faltimos a sair. Come\u00e7\u00e1mos com um workshop com toda a equipa, 22 pessoas numa sala, horas a fio a esmiu\u00e7ar todo um processo de trabalho e depois avan\u00e7\u00e1mos para entrevistas individuais com cientistas, m\u00e9dicos patologistas, investigadores e t\u00e9cnicos de laborat\u00f3rio, umas a seguir \u00ed\u00a0s outras sem grande espa\u00e7o para parar e fazer um xixi.<\/p>\n

<\/p>\n

Fora das instala\u00e7\u00f5es da Roche (l\u00e1 dentro \u00e9 proibido fotografar, claro)<\/em><\/p>\n

Profissionalmente, foi uma experi\u00eancia insubstitu\u00ed\u00advel. Passar quatro dias, de ter\u00e7a a sexta, a falar com pessoas inteligentes e interessantes, com um conhecimento extenso e profundo das suas \u00e1reas, mas uma acessibilidade simples e amig\u00e1vel oferece um turbilh\u00e3o de informa\u00e7\u00e3o valiosa para o projecto. Nenhum dos entrevistados ofereceu informa\u00e7\u00e3o repetida, cada um com a sua vis\u00e3o dos processos e tarefas e ideias para contribuir.<\/p>\n

No \u00faltimo dia, uma das patologistas veio despedir-se de n\u00f3s e disse: “Por favor voltem depressa, precisamos muito do trabalho que est\u00e3o a fazer”. S\u00e3o utilizadores intensivos de um sistema que ainda n\u00e3o tinham tido ningu\u00e9m que representasse a sua voz perante quem decide o que desenvolver. Trabalhar como designer, assim, \u00e9 completamente outro n\u00ed\u00advel.<\/p>\n

Clarific\u00e1mos quest\u00f5es, esclarecemos d\u00favidas e test\u00e1mos ideias e, talvez ainda mais importante, cri\u00e1mos rela\u00e7\u00f5es que corresponder\u00e3o a um maior sucesso do projecto, do que seria poss\u00ed\u00advel \u00ed\u00a0 dist\u00e2ncia, a “fazer uns bonecos”. \u00c9 por isto que sempre me bati para se convidassem os utilizadores para conversarmos com eles e por isto que sempre que me disseram que n\u00e3o valia a pena, senti que n\u00e3o estava no s\u00ed\u00adtio certo para trabalhar como eu queria. Agora, estou e \u00e9-me absolutamente \u00f3bvio que tinha mesmo raz\u00e3o.<\/p>\n

Os designers t\u00eam que ser, acima de tudo, representantes. Dos utilizadores, do neg\u00f3cio, do p\u00fablico, das equipas, dos programadores, dos produtores, engenheiros, seja o que for. Com todas as pe\u00e7as, temos a obriga\u00e7\u00e3o de oferecer as melhores solu\u00e7\u00f5es que sejam poss\u00ed\u00adveis, respeitem necessidades, mas tamb\u00e9m os constrangimentos e n\u00e3o deixem de parte o neg\u00f3cio.<\/p>\n

Quem acha que o design alguma vez foi outra coisa, precisa de voltar para os livros.<\/p>\n

Com o trabalho arrumado, 200 respostas e 500 novas perguntas, rum\u00e1mos, no nosso Renault cinzento e cinzent\u00e3o, a Munique, \u00c2\u00a0para uma \u00faltima noite.<\/p>\n

No Der Pschorr<\/a>, comemos salsichas e sauerkraut, p\u00e3o alem\u00e3o, pickles, porco, vaca e toda a esp\u00e9cie de derivados de batata, tudo devidamente acompanhado de litro e meio de Wei\u00ed\u0178bier – cada um, claro. Termin\u00e1mos com um schnapps e seguimos para um bar qualquer daqueles que, confesso, n\u00e3o s\u00e3o muito o meu estilo: t\u00e3o cheio que estamos colados a outras pessoas, com m\u00fasica alta demais que nos obriga a conversar aos gritos e com algumas pessoas com um ar verdadeiramente miser\u00e1vel pelos cantos.<\/p>\n

<\/p>\n

Salsicha de vaca, de cerveja e de ba\u00e7o, com sauerkraut e mostarda.<\/em><\/p>\n

Cansado que nem um burro de carga e com mais um Bushmills no bucho, comecei a cabecear at\u00e9 ir l\u00e1 para fora, apanhar fresquinho e deitar-me no ch\u00e3o – a minha actividade favorita quando estou b\u00eabado. O seguran\u00e7a do bar n\u00e3o gostou e veio correr comigo, mas pelo menos n\u00e3o apanhei um sopapo e acabei por n\u00e3o vomitar nas ruas de Munique porque, convenhamos, parecia mal.<\/p>\n

A \u00faltima noite foi, na verdade, a \u00fanica em que dormi bem, no horr\u00ed\u00advel hotel Maritim (desaconselho), onde ca\u00ed\u00ad em cima da cama, de luzes acesas e tudo e s\u00f3 acordei \u00ed\u00a0s seis da manh\u00e3 para um xixi. Diga-se o que se disser do \u00e1lcool e do trabalho, a verdade \u00e9 que uma boa combina\u00e7\u00e3o dos dois d\u00e1 um sono dos diabos.<\/p>\n

No dia seguinte, depois de deixarmos o carro no aeroporto, rum\u00e1mos de regresso a Lisboa. Seis dias intensos que me pareceram, facilmente, um m\u00eas, mas uma satisfa\u00e7\u00e3o pessoal enorme e mais uma montanha de trabalho para fazer nos dias e meses que se avizinham.<\/p>\n

Quanto a Penzberg, resta-me dizer\u00c2\u00a0Ich werde bald wiederkommen!<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Bayern \u00e9 um dos estados federais da Alemanha, ali\u00e1s, o maior, o segundo mais populoso e um dos mais ricos. Por c\u00e1, chamamos-lhe Baviera e \u00e9 onde fica M\u00fcnchen, ali\u00e1s, Munique. Terra de tradi\u00e7\u00f5es conservadoras, com os Alpes \u00ed\u00a0 vista e onde as fr\u00ed\u00a4ulein usam dirdnl, com as mamocas a sair por cima e os […]<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_exactmetrics_skip_tracking":false,"_exactmetrics_sitenote_active":false,"_exactmetrics_sitenote_note":"","_exactmetrics_sitenote_category":0,"jetpack_post_was_ever_published":false,"_jetpack_newsletter_access":"","_jetpack_dont_email_post_to_subs":false,"_jetpack_newsletter_tier_id":0,"_jetpack_memberships_contains_paywalled_content":false,"_jetpack_memberships_contains_paid_content":false,"footnotes":"","jetpack_publicize_message":"","jetpack_publicize_feature_enabled":true,"jetpack_social_post_already_shared":true,"jetpack_social_options":{"image_generator_settings":{"template":"highway","enabled":false},"version":2}},"categories":[1],"tags":[526,2572,2580,2578,2579,842,1295],"class_list":["post-6394","post","type-post","status-publish","format-standard","hentry","category-diario","tag-alemanha","tag-impossible-labs","tag-munique","tag-penzberg","tag-roche","tag-trabalho","tag-viagens"],"jetpack_publicize_connections":[],"jetpack_featured_media_url":"","jetpack_shortlink":"https:\/\/wp.me\/p2vUy9-1F8","jetpack_sharing_enabled":true,"jetpack-related-posts":[],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.macacos.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/6394","targetHints":{"allow":["GET"]}}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.macacos.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.macacos.com\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.macacos.com\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.macacos.com\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=6394"}],"version-history":[{"count":4,"href":"https:\/\/www.macacos.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/6394\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":6402,"href":"https:\/\/www.macacos.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/6394\/revisions\/6402"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.macacos.com\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=6394"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.macacos.com\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=6394"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.macacos.com\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=6394"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}