Na generalidade, somos seres com pouca capacidade de improvisa\u00e7\u00e3o. Sim, quando damos por n\u00f3s em situa\u00e7\u00f5es invulgares, todos temos um Bear Grylls<\/a> dentro de n\u00f3s, mas no aborrecido dia-a-dia o que queremos \u00e9 ter o p\u00e3o sempre no mesmo s\u00ed\u00adtio, perto da manteiga e n\u00e3o muito longe da torradeira. Queremos que os transportes andem a horas, que nos digam quando correr e em que s\u00ed\u00adtio parar e, j\u00e1 agora, que nos informem quando devemos celebrar alguma coisa.<\/p>\n

\u00c9 por isso que, por muito que se apregoe por a\u00ed\u00ad que \u00e9 “quando um homem quiser”, o natal calha sempre na mesma altura.<\/p>\n

E j\u00e1 calhava nesta altura h\u00e1 muitos s\u00e9culos, diria mesmo mil\u00e9nios, muito antes do Atleta da Cruz, quando os povos pag\u00e3os se juntavam algures ali entre 20 e 30 de Dezembro (quem sabe, a 25…), para celebrar a mudan\u00e7a de esta\u00e7\u00e3o (dica: acontecia o mesmo na Primavera e agora chamam-lhe P\u00e1scoa), para comer, ver a fam\u00ed\u00adlia e trocar oferendas.<\/p>\n

\u00c9, portanto, hilariante, ver as bandeirinhas do menino Jesus nas janelas, em resposta ao Pai Natal trepador, como se algum dos dois tivesse alguma coisa a ver com esta celebra\u00e7\u00e3o – a do solst\u00ed\u00adcio de Inverno, ao fim e ao cabo.<\/p>\n

Tudo isto para dizer que j\u00e1 passou mais um natal e que eu poderia dizer que “isto \u00e9 giro \u00e9 com mi\u00fados”, mas n\u00e3o digo porque se dissesse, sentir-me-ia na obriga\u00e7\u00e3o de me levantar e pregar um valente tabefe em mim mesmo por dizer tamanha estupidez.<\/p>\n

Sim, \u00e9 verdade, os mi\u00fados s\u00e3o estupendos e nada bate o seu entusiasmo ao abrir aquela prenda especial porque tanto ansiaram.<\/p>\n

Mas isso s\u00e3o 5 minutos.<\/p>\n

E as restantes 48 horas? Quem os atura?<\/p>\n

O dia 24 foi complicado. H\u00e1 prendas, mas n\u00e3o as podes abrir j\u00e1, estamos a fazer doces, mas n\u00e3o os podes comer j\u00e1, vamos sair, mas n\u00e3o \u00e9 j\u00e1. Tudo isto \u00e9 complicado de encaixar para um puto de 3 anos. Ao almo\u00e7o, deu-se a primeira birra… e ainda faltavam cinco horas para sairmos de casa.<\/p>\n

Na viagem, adormeceu – ali\u00e1s, adormeceram ambos e a dormir foram, o caminho todo.<\/p>\n

Eu n\u00e3o. Eu ia acordado e bem acordado, com o vidro lamentavelmente gorduroso, chuva copiosa e uma noite escura, conduzir at\u00e9 Palmela n\u00e3o foi tanto uma tarefa, mas mais uma tortura. Quando cheguei, a dor de cabe\u00e7a estava bem instalada.<\/p>\n

Por raz\u00f5es menos boas, tive que ficar sozinho com os dois mi\u00fados, porque a Dee teve que sair um pouco. Eu no sof\u00e1, lareira acesa (odeio lareiras), casacos vestidos e os dois putos em cima de mim. O Tiago, voltou a adormecer e j\u00e1 ressonava quando a minha sogra pegou na Joana.<\/p>\n

At\u00e9 aqui tudo bem. Depois percebi que ele estava ensopado em suor (mencionei que odeio lareiras?), resolvi tirar-lhe o casaco e ele acordou.<\/p>\n

Come\u00e7ou apenas por berrar, depois mudou para gritos de “n\u00e3o! n\u00e3o!”. Entretanto, a irm\u00e3 entrou no concerto. Choravam ambos.<\/p>\n

O Tiago, come\u00e7ava a entrar em desespero – cheio de sono – s\u00f3 gritava que n\u00e3o queria aquela casa, que queria a dele, que queria o beb\u00e9 (o urso dele, que logo por azar, ficou esquecido na escola este fim de semana).<\/p>\n

A dada altura, algu\u00e9m levou a Joana n\u00e3o sei para onde e s\u00f3 a ouvia chorar compulsivamente – como ela t\u00e3o bem faz – enquanto o Tiago, ao meu colo, me imobilizava porque tinha acessos de p\u00e2nico com direito a estrebuchamento e tudo, sempre que fazia ten\u00e7\u00e3o de me afastar da sala para tentar ir ver o que se passava com a irm\u00e3.<\/p>\n

Entretanto iam chegando convidados e ocasionalmente, algu\u00e9m decidia que era boa ideia tentar intervir: “ent\u00e3o Tiago? Vamos l\u00e1, o que se passa? Vamos brincar, olha, vem a\u00ed\u00ad o pai natal”. F\u00faria incontrol\u00e1vel. De cada vez que quase o conseguia acalmar e algu\u00e9m – sempre bem intencionado, claro – intervinha de alguma forma, l\u00e1 entrava ele em nova espiral de berraria.<\/p>\n

Isto durou bem mais de uma hora e continuou mesmo depois da Dee ter voltado; como teve que ir dar mama \u00ed\u00a0 Joana (o que, v\u00e1 l\u00e1, a acalmou a ela), n\u00e3o chegou a conseguir tentar acalm\u00e1-lo (sem garantias de que funcionasse, claro). At\u00e9 que, como que por magia, ou por lhe ter passado o sono, acalmou-se, pediu frango, sentou-se \u00ed\u00a0 mesa, jantou e passado um bocado andava pela casa a brincar com os primos.<\/p>\n

Foi giro, serviu para me por mais 5 cabelos brancos e para\u00c2\u00a0 me dar uma das mais insuport\u00e1veis dores de costas de que tenho mem\u00f3ria, por ter passado hora e meia com um primata de 15 kg ao colo, a contorcer-se.<\/p>\n

Seguiram-se os tais 5 minutos que valem a pena. Quando recebeu o Buzz Lightyear, que \u00e9 igualzinho ao do filme e vem dentro de uma caixa em forma de nave e tudo, o resto do mundo deixou de existir. At\u00e9 recusou prendas e abriu outros brinquedos com desinteresse.<\/p>\n

\u00c9, de facto, compensador, ver o nosso filho t\u00e3o feliz.<\/p>\n

J\u00e1 h\u00e1 uns anos que, depois de Palmela, ainda segu\u00ed\u00adamos para casa dos meus pais para mais uma festa de natal, pela noite dentro, mas essa pr\u00e1tica, felizmente, j\u00e1 est\u00e1 no passado e viemos apenas dormir.<\/p>\n

A segunda festa, passou para dia 25. E desta vez foi c\u00e1 em casa, com o m\u00ed\u00adnimo indispens\u00e1vel de prendas, por oposi\u00e7\u00e3o \u00ed\u00a0s 200 toneladas que costum\u00e1vamos trocar e primordialmente focada nos mi\u00fados. V\u00e1, sobretudo no Tiago, que a Joana ainda n\u00e3o est\u00e1 muito para a\u00ed\u00ad virada.<\/p>\n

Ele recebeu tantas prendas que muitas ficaram por abrir e foram sendo descobertas aos poucos, durante a noite.<\/p>\n

A coisa culminou numa casinha de pl\u00e1stico que os meus pais lhe compraram e que a fam\u00ed\u00adlia toda se juntou a montar na varanda. Mais uma vez, cansado e farto de esperar, o Tiago come\u00e7ou a passar-se e a dada altura j\u00e1 batia em toda a gente. Foi ent\u00e3o agraciado com uma palmada no rabo e expuls\u00e3o do pr\u00f3prio quarto enquanto os adultos ficaram a acabar de montar o brinquedo.<\/p>\n

A fita acabou por passar depressa, muito gra\u00e7as ao tio Filipe que \u00e9 o maioral da brincadeira e o anima sempre.<\/p>\n

O Buzz foi um \u00eaxito, mas o destaque que teve tamb\u00e9m se diluiu um pouco entre variad\u00ed\u00adssimos aliens do Ben 10, mais um Wall-e e uma Eva, um escorrega, pistolas electr\u00f3nicas, enfim… coisas para brincar at\u00e9 fartar.<\/p>\n

A coisa n\u00e3o acabaria, por\u00e9m, sem mais uma palmadita no Tiaguito, que resolveu pegar numa tijela que os av\u00f3s lhe compraram e – com o seu ar “vai-te foder”, para mim – atir\u00e1-la para o ch\u00e3o.<\/p>\n

Sim, o meu filho de 3 anos tem um ar “vai-te foder”.<\/p>\n

E foi assim que depois de tr\u00eas ou quatro birras e duas ou tr\u00eas palmadas, montes de prendas, fam\u00ed\u00adlia e doces, se passou mais um estupendo natal.<\/p>\n

Percebem agora porque \u00e9 que mere\u00e7o um tabefe se disser que o natal \u00e9 melhor com mi\u00fados?<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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