A \u00faltima vez que escrevi, tinhas feito h\u00e1 pouco tempo seis meses. Agora, aproximas-te perigosamente dos nove, sem grande piedade.<\/p>\n

De um dente t\u00ed\u00admido, passaste a quatro, bem vis\u00ed\u00adveis e funcionais: j\u00e1 d\u00e1s conta de uma bolacha quase inteira, usando habilmente os dentes para lhe arrancar peda\u00e7os.\u00c2\u00a0 Bom, eu consigo comer uma bolacha inteira de uma s\u00f3 vez e tenho trinta e tal dentes. Mas n\u00e3o vamos por-nos com estas rivalidades pai-filho j\u00e1.<\/p>\n

Parece, portanto, que comer, para ti, \u00e9 assunto arrumado. Mas n\u00e3o \u00e9.<\/p>\n

Na sexta-feira passada, depois de teres passado uma semana a vomitar quase diariamente, pelo menos uma das refei\u00e7\u00f5es, decidiste que comer j\u00e1 n\u00e3o era para ti. Assim, de um dia para o outro deixaste de querer comer. A sopa, que nem sempre era f\u00e1cil, admitamos, recusaste. A papa – de que nem desgostavas – cuspiste fora. E a fruta, que nunca sequer pensaste recusar, mandaste-a comer \u00ed\u00a0 tua m\u00e3e.<\/p>\n

No S\u00e1bado fomos a casa dos teus av\u00f3s paternos, para festejar o anivers\u00e1rio da tua tia Marta e tu, que j\u00e1 tinhas rejeitado a sopa e a fruta em casa, emborcaste arroz de frango e c\u00ed\u00b4dea de p\u00e3o, como se fossem os teus pratos favoritos.<\/p>\n

Segundo a tia Lu\u00ed\u00adsa, educadora de inf\u00e2ncia h\u00e1 v\u00e1rias d\u00e9cadas, n\u00e3o \u00e9 incomum putos da tua idade fartarem-se de ser alimentados \u00ed\u00a0 colher e passarem a comer muito melhor se lhes for dada comida s\u00f3lida, de prefer\u00eancia com a op\u00e7\u00e3o de serem eles pr\u00f3prios a alimentar-se.<\/p>\n

E foi precisamente isso que se passou: primeiro meti-te uma c\u00ed\u00b4dea de p\u00e3o na m\u00e3o, com a qual te foste alimentando e depois a tua av\u00f3 Mila e a tua prima In\u00eas estiveram a cortar-te e dar-te pedacinhos de frango com arroz, \u00ed\u00a0 m\u00e3o.<\/p>\n

E contigo parece ser assim: quando aprendes uma coisa, desistes imediatamente do que era h\u00e1bito at\u00e9 a\u00ed\u00ad. Aprendeste a sentar-te sozinho e desde a\u00ed\u00ad, ter-te deitado de costas \u00e9 quase imposs\u00ed\u00advel – chegas mesmo a fazer uma grande birra quando te deito para tr\u00e1s no banho para lavar o cabelo. Coisa que costumavas aceitar bem.<\/p>\n

E agora isto. Passaste a querer alimentar-te sozinho, portanto ai de quem se aproximar de ti de colher em punho.<\/p>\n

O resultado, evidentemente, \u00e9 que tens comido bastante pior durante o dia e depois -\u00c2\u00a0 oh joy – precisas de acordar duas vezes durante a noite para mamar. Que bom. Duas e meia da manh\u00e3: Tiago a berrar. Seis da manh\u00e3: Tiago a berrar.<\/p>\n

Tendo em conta que h\u00e1 que tempos que dormes a noite toda, esta mudan\u00e7a \u00e9 uma violenta surpresa para os teus paizinhos.<\/p>\n

Mas pronto… j\u00e1 percebemos: est\u00e1s em fase de aprendizagem e at\u00e9 perceberes como comer mais comida do que a que espalhas pelo ch\u00e3o, roupa e cabelo, as coisas v\u00e3o voltar um bocadinho atr\u00e1s.<\/p>\n

As \u00faltimas refei\u00e7\u00f5es t\u00eam sido uma divers\u00e3o, portanto. Agarras peixe e batatas do prato que tentas levar \u00ed\u00a0 boca, raramente com sucesso. N\u00f3s tentamos entretanto dar-te colheradas de sopa que tu umas vezes aceitas e outras rejeitas ofendido. No fim, \u00e9 um totoloto: ficar\u00e1 a (pouca), comida no est\u00ed\u00b4mago ou vir\u00e1 toda parar c\u00e1 fora?<\/p>\n

Como ainda tens pouca experi\u00eancia com comida s\u00f3lida, \u00ed\u00a0s vezes engasgas-te e para te livrares do engasgan\u00e7o: tau – vomitas tudo.<\/p>\n

Aconteceu ainda h\u00e1 pouco, com o jantar.<\/p>\n

Depois de muito esfor\u00e7o, tinhas comido um montinho de peixe com cenoura e batata e meio boi\u00e3o de sopa, mas o \u00faltimo pedacinho de peixe encalhou e pumba: tudo para fora outra vez. \u00c9 desesperante. Mesmo sabendo que ainda est\u00e1s a aprender, n\u00e3o deixa de ser frustrante imaginar que aquela comidinha toda j\u00e1 l\u00e1 estava e afinal voltou toda para tr\u00e1s.<\/p>\n

E este teu gosto por abra\u00e7ar imediatamente a nova etapa evolutiva, negando a anterior significa que pegar uma colher para te voltar a tentar encher o est\u00ed\u00b4mago, est\u00e1 fora de quest\u00e3o.<\/p>\n

E os boi\u00f5es de fruta, que s\u00f3 de sentir o cheiro te faziam abrir a boca \u00ed\u00a0 espera de uma colherada? N\u00e9pias, nem isso.<\/p>\n

Mas pronto, tudo bem: j\u00e1 tens um pratinho t\u00e9rmico, montes de colheres e o teu pr\u00f3prio lugar \u00ed\u00a0 mesa. J\u00e1 percebeste que a comida se agarra com a m\u00e3o e se mete na boca. Agora olha… safa-te!<\/p>\n

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