Já há muito tempo que, cá em casa, dizemos que o deus dos pequenos incómodos nos odeia.
Seja pelos problemas infindáveis que tive com o Mercedes pouco depois de o comprar, pelas infiltrações de monóxido de carbono do esquentador da casa antiga, pela vez em que o esgoto da nossa banheira infiltrou para a vizinha de baixo, pelo simples facto da vizinha de baixo implicar com o nosso ar condicionado, ou com termos tido, durante um ano, uma família brasileira que fazia barulho todas as noites, a viver no andar de cima.
O carro assaltado poucos dias depois de nos termos mudado a nosso novo e pacato bairro, as infiltrações de água na obra acabada de fazer, o estore do Tiago que partiu na primeira utilização, o estrado da cama sempre a cair, as férias constantemente inquinadas por questiúnculas diversas e claro, o enorme buraco na sala de trabalho da Dee, acabadinho de fazer.
Depois de meses de chuva e tempo imprevisível durante todo o Verão, o bom tempo instalou-se em Setembro e Outubro. Parecia um Verão tardio e eu já desejava o regresso do frio e da chuva, das noites de edredão e de poder dormir perto da minha mulher sem acordar coberto de suor.
Esses dias resolveram chegar todos de uma vez, sob a forma de um temporal, durante o fim de semana. Choveu que se fartou e fez vento forte um pouco por toda parte. Estava tudo bem até por volta das nove da noite, hora em que começou a pingar água na sala de trabalho da Dee.
A água passou de uns pingos para uma cascata em poucos minutos e em menos de duas horas, encheu-se um balde de dez litros.
Como temos um furo no tecto de onde desde o cabo eléctrico para um candeeiro que ainda não montámos, a água encontrou aí ponto de escoamento e lá vinha ela, toda contente, mas a coisa não podia acabar por aí, seria “bom demais”, que a infiltração no telhado fosse mesmo por cima daquele furo.
Não era.
Era mais ao lado e í medida que ia formando poça lá em cima, ia chegando ao buraco e caindo. Mas não demorou muito até começar a infiltrar pelo tecto, no sítio onde estava mesmo a fazer poça.
Por volta da meia noite, já o tecto estava todo rachado e continuava a cair água. Felizmente, depois de estarmos ali a espremer o estuque para escorrer a água acumulada, a coisa acalmou.
Levantei-me por volta das quatro e meia e já não pingava nada.
De manhã, a Dee ligou para o empreiteiro que fez o favor de cá vir. Encontrou três pombos mortos, um í frente, dois nas traseiras, a entupir completamente os algerozes. A caleira das traseiras terá enchido com água, por causa disto e extravasado para a telha, acabando por entrar por baixo desta.
Não estamos 100% convencidos, porque a infiltração era mesmo no meio do tecto e parece-nos que se a água entrou por baixo das telhas na ponta do telhado, então a infiltração devia ser mais próxima da janela.
No entanto, por agora, pouco nos resta fazer senão esperar que volte a chover para vermos o que acontece. É verdade que ele também encontrou algumas telhas partidas, que substituiu e que três pombos mortos nas caleiras não pode ajudar. Mas como já sabemos que somos das vítimas preferidas do deus dos pequenos incómodos, cá esperamos o desenrolar da coisa e entretanto pergunto-me… quando será que se arranjam assim uns 4 ou 5 aninhos sem problemas destes para resolver?
Lembrei-me que seria interessante, daqui a dez anos, ler uma descrição de como é um dia típico na minha vida, agora. Tenho grande prazer em ler os meus diários mais antigos e perceber quão diferentes eram os meus dias há 10, 15, 20 anos atrás. Não tenho, porém, um registo deste tipo, sucinto e completo de um dia inteiro, portanto, mais para a posteridade do que propriamente por interesse que possa ter agora, aqui fica, um dia na minha vida.
O despertador toca í s 7:20. Tocava í s 7, mas a verdade é que ninguém se levantava, pelo que decidi que tínhamos direito a mais 20 minutos.
Dependendo da hora a que fui para a cama, talvez me consiga levantar. Geralmente, se me deitar até í uma, levanto-me, se me deitei depois da uma, é bem mais complicado. Geralmente, é complicado.
O alarme de contingência toca í s 7:45 e usa um som bem mais irritante. Uso o meu iPod Touch de segunda geração para servir de despertador. Quando me descolo da cama, levo-o sempre comigo: dou uma vista de olhos na minha Tiny Tower, vejo as notícias na app do Público, dou um salto ao Facebook e Twitter para ver se houve actividade nocturna que me diga respeito.
Como o mais comum é deitar-me tarde, já só mesmo depois das 7:45 é que me arrasto para fora da cama. Já sei que é muito tarde, portanto faço as coisas em fragmentos: vou lavar os dentes e a cara, e uns minutos antes das oito, vou acordar o Tiago. Dou, geralmente, com ele destapado e gelado, aproveito para o tapar e dizer que pode dormir mais um bocadinho, algo que lhe agrada visivelmente.
É um truque. Em vez de o acordar í s oito, acordo-o 5 ou 10 minutos antes e digo-lhe logo que pode ficar mais um bocadinho. Quando o vou buscar í s 8 já está bastante mais bem disposto.
Depois sigo para a cozinha para fazer o meu pequeno almoço: ovos e feijão, bacon alguns dias, noutros não. E café, claro. Preparo os cereais do Tiago e vou buscá-lo í cama, levo-o ao colo para a cozinha, é a única altura em que ainda anda ao colo, com 4 anos e meio e 1,12 m de altura. Mas faz parte da rotina matinal, ele gosta e eu também.
Sento-o na cadeira, fecho-lhe o estore para não entrar luz a mais e tapo-o com uma manta. Ele adora o tratamento privilegiado de manhã e geralmente come o pequeno almoço sem problemas. Às vezes tem mesmo que ficar sozinho na cozinha a comer, mas tento sempre fazer-lhe companhia. Um ou outro dia não come, nota-se que não tem vontade nenhuma, mas não há stress: não quer, não come, ou oferecemos-lhe uma alternativa qualquer que ele acaba por comer.
Entretanto, a Dee também já se levantou, claro. E a Joana também e juntam-se a nós, para a Joana comer. Com ela, as coisas ainda são complicadas e com 15 meses já vai fazendo algumas fitinhas típicas: diz que não, rejeita comida, finge que chora. Mas também tem estado doente, o que não ajuda e quando se sente melhor, está, geralmente, bem disposta e sempre a sorrir.
Depois de comer é preciso escolher roupa para o Tiago. A rotina varia um bocado, umas vezes vou eu, outras vezes, a mãe, tanto a escolher a roupa, como a vesti-lo. Umas vezes é para vestir logo, outras é só para deixar a roupa pronta para vestir quando ele acabar de comer. E também varia qual dos pais o veste. Ele já poderia vestir-se sozinho, mas é uma daquelas coisas que já fazemos automaticamente e acaba por ser mais rápido. Há-de chegar a altura em que se veste ele, assim como come e vai í casa de banho sem interferência.
Entretanto, eu vou tomar banho e vestir-me.
Se tudo tiver corrido razoavelmente bem, tudo o acima descrito passa-se em cerca de uma hora ou um bocadinho menos e saímos todos de casa entre as 8:40 e as 8:50. Vamos para o carro e levamos os miúdos í escola, sem esquecer, claro, as mochilas, brinquedos (o Tiago leva quase sempre algo diferente para brincar no recreio) e o carrinho da Joana que tem que ficar na escola, para a mãe a poder trazer para casa ao fim do dia. No entanto, muitas vezes chegamos atrasados, ou porque saímos tarde demais, ou porque demoramos 10 minutos a conseguir estacionar o carro na loucura da hora de ponta í porta da escola. No entanto, se não chegam antes das nove, chegam pouco depois.
Com os miúdos na escola, deixo a Dee em casa e sigo para a estação de comboios e depois de uma viagem sobre a ponte 25 de Abril (ou será sob?), passo para o metro em Entrecampos para ir para Picoas.
Chego e vou dar uma volta pelo mail, pelo trabalho do dia anterior e pela lista das coisas que estão em cima da mesa para decidir o que faço nesse dia. A meio da manhã vou beber um cafézinho com quem estiver da minha equipa. É, geralmente, altura para algum team-building, já que durante o dia, estamos muitas vezes atarefados sem grande oportunidade para trocar ideias, também ajuda ficar a saber o que está a ser feito e se há alguma urgência. Tipicamente, de manhã trabalho numa coisa, por vezes duas, fora os assuntos que surgem inesperadamente, pessoas que querem falar comigo ou pedidos de corredor.
Vou almoçar por volta do meio-dia, quase sempre no centro comercial, o mais barato possível. Â Um almoço típico é carne grelhada com legumes cozidos e feijão num sítio chamado Meio Sal, ou um hamburger grelhado com espinafres salteados ou salada, no H3. Café é no quiosque Delta, com pauzinho da canela e sem açúcar. Aproveita-se para conversar sobre de tudo um pouco. Ultimamente, claro, o orçamento de Estado e os cortes salariais e aumentos fiscais que o Governo lançou para tentar “vencer a crise”, a tal crise em que parece que estamos desde sempre.
Durante a tarde, trabalho sempre em mais coisas do que de manhã, geralmente duas a quatro coisas diferentes: esta semana teve muito de logotipos para dois serviços diferentes, análises de design de outros designers, trabalho para projectos do SAPO de que não posso falar em público ou coisas relacionadas com o Codebits deste ano, incluindo uma visita ao espaço, com a equipa toda, para tirar medidas e fotos, para preparar a decoração e sinalética do evento.
A meio da tarde, se estiver para aí virado, vou lanchar qualquer coisa, caso contrário, umas batatas fritas da máquina servem. Como não fumo, me esqueço de beber água e passo horas sem ir í casa de banho, faço poucas pausas, pelo que uns minutinhos para um lanche ou café a meio da tarde, por volta das 5, 5 e meia da tarde, são essenciais para aguentar o resto da tarde.
O dia é sempre marcado por conversas com inúmeras pessoas, algumas reuniões previstas, outras interpelações de corredor ou coisas não planeadas que caem no mail. Vou sempre mantendo um olho no que a minha equipa está a fazer e como estão as coisas mais prioritárias e fazendo ponte com as equipas que nos são mais próximas, enquanto tento manter uma mão nas coisas que me são mais difíceis, como o registo de horas ou o acompanhamento das tarefas na intranet.
Algures entre as 19:30 e as 20:30 saio para fazer a viagem inversa: 50 a 60 minutos, entre metro, comboio e carro de volta a casa.
Muitas vezes, quando chego, a Joana já dorme ou se ainda não está na cama, está prestes a ir. A Dee, que vai buscar os putos í escola, dá-lhes o jantar e deita a Joana, se ela já estiver com muito sono. É altura de tratar do Tiago. Passar um bocadinho com ele, a ver um filme, brincar ou só conversar, enquanto eu preparo qualquer coisa para comer.
Mas nem sempre como, algumas vezes vou directo para a rotina de deitar dele. Vai fazer xixi e lava os dentes, enquanto eu preparo o quarto dele. Dou-lhe um duche rápido, seco-o, visto-lhe o pijama e deito-me um bocadinho com ele.
Geralmente, jogamos um joguinho no iPod enquanto conversamos sobre o dia, ou sobre robots… ou sobre macacos mutantes. Depois tapo-o, despeço-me e saio.
Se tudo correr bem – e costuma correr – está na cama entre as nove e as dez da noite.
Se já tiver jantado, arrumo a cozinha, se não, janto e depois arrumo a cozinha. Algures entre as dez e as dez e meia da noite é altura de ir para o sótão trabalhar.
Quer seja trabalho do SAPO, como aconteceu esta última semana, quer seja do meu projecto pessoal (que caminha a passos largos para a conclusão), trabalho não tem faltado. Ponho música, mantenho o Facebook aberto para ir mandando umas bocas e ataco o trabalho que tiver para fazer e que geralmente envolve desenho de interfaces, ilustrações ou animações, quase sempre em Photoshop, por vezes em Illustrator; mas também faço som (gravação, tratamento, etc) e música.
Se for dia de exercício (a cada três dias), quando me sentir para aí virado, preparo os halteres e faço os exercícios. Se assim for, depois, desço í cozinha para beber o meu batido de proteína, antes de voltar lá para cima para trabalhar mais um bocado.
Um ou outro dia, geralmente mais para sexta-feira, se preciso de desanuviar, em vez de ir logo trabalhar, primeiro sento-me na sala a jogar GranTurismo 5, na Playstation 3. Uso o meu voltante Logitech DrivingForce GT e divirto-me uma hora ou duas, ao volante de automóveis virtuais que na vida real são mais caros que a minha casa. Dependendo da hora que for quando desisto do jogo, muitas vezes ainda vou trabalhar um bocado.
Por volta da meia-noite e meia, uma da manhã, começo a pensar que é hora de deitar e geralmente, acabo na cama por volta das duas ou, por vezes, mais perto das três.
Quatro ou cinco horas depois, toca o despertador. Costumava tocar í s 7, mas a verdade é que ninguém se levantava…
Enquanto eu fazia o jantar, o Tiago entrou pela cozinha adentro com um molho de folhas. “Olha: papéis!”, anunciou.
Começou então a mostrar-me vários desenhos que tinha feito. Quase todos simples riscos coloridos, sem formas discerníveis.
Nada de bonecos, animais, casas, árvores ou sóis. É, aliás, raríssimo ver este tipo de figuras nos desenhos dele, normalmente, cobre completamente a folha de preto.
Curioso, decidi perguntar do que se tratavam os desenhos.
A resposta veio sem hesitação: “São cérebros!”
Aos quatro anos e meio, o meu filho, em vez de casinhas, o pai e a mãe, os gatos ou um sol sorridente, desenha cérebros.
Há já uns anos que tenho um blog, em inglês, onde escrevo sobre design ou sobre trabalho, a internet, etc. Escrevo lá tão pouco que certamente poucas pessoas conhecerão ou se lembrarão de o visitar.
Fica aqui este post só para anunciar que escrevi recentemente dois posts, para quem possa estar interessados. São eles:
Já há muito tempo que, cá em casa, dizemos que o deus dos pequenos incómodos nos odeia. Seja pelos problemas infindáveis que tive com o Mercedes pouco depois de o comprar, pelas infiltrações de monóxido de carbono do esquentador da casa antiga, pela vez em que o esgoto da nossa banheira infiltrou para a vizinha […]
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Hoje, na cozinha, conversávamos com o Tiago sobre desenhos. – Então e tu não gostas de desenhar casas, pessoas, gatos? – Não, eu não gosto disso – respondeu sem hesitar – Então porquê, filho? A resposta saiu-lhe com a naturalidade das coisas óbvias: – Porque não sou uma menina.
Enquanto eu fazia o jantar, o Tiago entrou pela cozinha adentro com um molho de folhas. “Olha: papéis!”, anunciou. Começou então a mostrar-me vários desenhos que tinha feito. Quase todos simples riscos coloridos, sem formas discerníveis. Nada de bonecos, animais, casas, árvores ou sóis. É, aliás, raríssimo ver este tipo de figuras nos desenhos dele, […]
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