Ando para escrever este post há bastante tempo. Para ser exacto, desde o dia 11 de Agosto, quando morreu o Robin Williams.
Na altura surgiram de todos os lados pessoas que pareciam subitamente especialistas em depressão, a partilhar por aí artigos sobre o assunto e a produzir frivolidades sobre como muitas vezes o humor mais não é que uma máscara para a mais profunda tristeza.
Claro que na época em que toda a gente confunde ter uma opinião com ter que a partilhar e informação superficial com conhecimento científico, é natural que assim seja.
Ninguém saberá porque se suicidou Williams, ninguém senão ele. Talvez tenha deixado algumas pistas í família, que nunca conheceremos, mas também não precisamos de saber. Desconfiamos apenas que, afogado numa enorme angústia, um dia acordou com o ânimo e a coragem necessários para por fim ao seu sofrimento.
Não quero ser o gajo que diz “ah, eu sempre soube”, até porque era razoavelmente conhecido que Robin Williams tinha probemas diversos, nomeadamente com álcool, mas uma coisa é certa: sempre vi um certo tipo de tristeza por trás do sorriso dele.
Sempre lhe identifiquei um olhar com um sabor amargo, mesmo (ou especialmente) quando os olhos se semi-cerravam para acompanhar um sorriso.
Um certo tipo de tristeza porque não é a tristeza comum, a que sentimos na perda, na saudade. É a tristeza que sabemos que nasceu connosco, a que sabemos que jamais nos abandonará.
Existe um lugar onde por vezes nos refugiamos mas que, ao contrário de um verdadeiro refúgio, não nos oferece segurança. É um lugar vazio e bafiento, com uma luz filtrada por cortinados velhos, cobertos de pó. Um lugar de onde nos parece até que poderemos sair com facilidade, mas revela-se-nos impossível levantar da cadeira e abrir a porta.
E í nossa volta, ninguém percebe, ninguém entende; não há ninguém que realmente perceba o que é estar preso dentro de nós próprios, encerrado numa profunda tristeza que nos suga toda a esperança, mesmo quando para todos o sol brilha de forma tão óbvia e tanto há para inspirar essa esperança.
Quando a vida é assim, torna-se insuportável, mas não se esvai, não nos deixa, obriga-nos a existir, a interagir, a sair para o mundo e fingir que está tudo bem. Andamos presos a um bloco de cimento que ninguém vê, mas nós sentimos. Cada passo é um esforço, cada conversa um martírio, cada pergunta de “está tudo bem” um exercício da pequena mentira.
E tornamo-nos bons a mentir, a fingir e disfarçar, porque sabemos que o mundo não foi feito para nós, foi feito para outros que toleram a nossa presença desde que mantenhamos essas nossas máscaras de normalidade.
Não temos solução, não temos coragem, nem para nos darmos ao mundo tal como somos, borrifando nas convenções, nem para nos retirarmos dele, de uma vez, dando finalmente silêncio ao ensurdecedor ruído que nos enche a cabeça todos os dias e nos mata o pensamento.
Não podemos ser felizes porque não sabemos o que isso é, não temos um vislumbre, sequer um sonho dessa coisa. Não fomos feitos dessa tal matéria cósmica que faz as pessoas sonhar, olhar para o futuro com um sorriso, viver o presente com a certeza de que o mundo os acolheu porque tem um lugar para eles.
E caminhamos assim, de pés arrastados e cabeça baixa, com os olhos cavados das noites em branco, os gritos de angústia na eterna pergunta: “porquê?!”; porquê? Porque é que tendo tudo sinto que não tenho nada? Porque é que o tudo que tenho não se acende nesta sala empoeirada e me ilumina os dias? Nunca há resposta, nunca há solução, porque nunca há esperança, nunca há fim.
Até um dia. Até ao dia em que acordamos com essa centelha perante nós, em que nos parece que o nosso corpo se animou, que a nossa mente não está recolhida num canto, com o olhar vazio posto no infinito, é o dia de coragem, de erguer a cabeça e saber precisamente que é o dia em que finalmente ganhámos coragem para morrer.
É esse o dia do fim do sofrimento. E enfim, a paz.
A Joana adora as suas princesas e cantar e andar de saia.
A Joana tem longos caracóis que saltam quando ela anda e os melhores abraços do mundo e um sorriso só para mim, que não empresto a ninguém.
A Joana gosta de nadar no banho, como aprendeu com a mãe e gosta de ver filmes o dia todo, mas adormecer a meio e dormir no chão da sala, rodeada de barulho, vozes e música. A música preferida da Joana é o “We Will Rock You”, dos Queen.
A Joana gosta de contar e ouvir histórias, gosta de brincar com o irmão, gosta de saltar na cama dos pais a ouvir a “Bleed” dos Meshuggah o mais alto possível.
A Joana adora um bom H3 cheese com arroz, ou, como ela diz: “hambúgara com mo’io po cima e arroz”.
A Joana é tudo isto e não é nada disto. É mais, é tanta coisa que ainda não descobriu e que eu nunca vou descobrir. Mas também é a minha filha e hoje fez quatro anos.
Inclinou-se, apoiando-se no gradeamento da varanda. Sentia o vento cortar-lhe a face e a roupa era decididamente inadequada í descida de temperatura que se verificara com o anoitecer.
Olhou a paisagem da cidade, sem a ver. Olhou, simplesmente, com os olhos vazios, um canal directo para a alma; o que quer que ela fosse, onde quer que ela estivesse.
Com as pontas dos dedos, alcançou o copo de whiskey de cima da pequena mesa de ferro e engoliu um trago, depois outro. Deixou que o fogo do álcool traçasse um caminho de calor por entre o gelo das suas entranhas. Imaginou-se seguindo esse rasto, como se na sua luz pudesse vislumbrar o que a escuridão lhe ocultava. Mas em vão. Nada o seu ser lhe queria mostrar, nada tinha para lhe dizer.
Tirou um morango da taça e mordeu-o. Sentiu o doce ácido do fruto nas gengivas e o perfume intenso nas narinas. Desejou que lhe mostrassem alguma verdade, que pelo menos lhe dessem uma pista… Não obteve eco. Não conseguiu ligação. Sabia apenas da sua completa inexistência. Nada mais, nada real. O calor, a luz, a dissolução na sua boca, nada.
A cidade, em baixo, serena. Aquele tom de laranja, contra um céu não suficientemente preto. E ele ali, naquele parapeito apoiado, cotovelos marcados pela pedra, orelhas geladas pelo vento, agonia, felicidade, indecisão. Nada.
Da inexistência í inexistência que distância irá? Que justificação necessitaria, para a medir?
Com a mão dentro dos calções, coçou a virilha direita; com os dedos, beliscou o mamilo, num gesto de hábito criado na solidão. O copo de whiskey, já vazio, em cima da mesa. Mais um morango.
Atirou-se da varanda até se estatelar, umas dezenas de metros abaixo. Ou não se atirou. Não achou que fizesse diferença. Pegou na garrafa e bebeu mais um trago, directamente do gargalo. Comeu outro morango e percebeu como funcionava a morte.
Foi para dentro e fechou a janela. Deitou-se, para dormir. Amanhã, inexistirá novamente… E porque não?
Sou um fã de filmes de máfia. Não os terei visto todos, mas conto alguns entre os meus filmes preferidos de sempre. A trilogia Godfather está no topo dessa lista (ou pelo menos os dois primeiros), mas filmes como Casino ou Goodfellas também têm o seu lugar.
Confesso, sem grande pudor, que as minhas cenas preferidas desses filmes são as limpezas executadas com sincronismo perfeito, verdadeiras chacinas coreografadas, em que num dado momento, vários enforcers distribuem retribuição impiedosa pelos inimigos da família.
No Godfather, durante um baptizado, os Corleone eliminam os seus adversários em New York, bem como Moe Greene, em Las Vegas, com um famoso tiro num olho. No Casino, o morticínio é de uma violência obscena e inclui o sangrento espancamento de Nicky e o seu irmão Dominick, enterrados ainda vivos, depois da sova com tacos de baseball e só Ace escapa por pouco a uma bomba no seu carro.
Enfim, são estás limpezas que fazem tabula rasa para que quem sobra medre no negócio daí para a frente. É uma técnica de desbravamento do velho para dar lugar ao novo, mas não só: é muitas vezes a eliminação de um certo elemento de deslealdade, corrupção perante as regras não escritas das organizações criminosas.
É verdade que se eliminam criminosos para que sobrevivam outros criminosos e é verdade que a ideia não pode ser transferida directamente. Mas hoje, depois de ter visto um documentário sobre o caso dos submarinos, não pude evitar deixar de pensar que este país precisa de uma grande cena final de um filme de máfia.
Talvez o momento fosse um grande jogo de futebol, uma final com a Selecção, com Cristiano Ronaldo a prender os portugueses í TV e lá fora, um oleado grupo, armado até aos dentes, fazendo uma verdadeira sinfonia de chumbo. Os corruptos, os abusadores do poder, os usurpadores, os ladrões que agem impunemente e ainda se riem do alto das prescrições dos seus crimes para um país cada vez mais pobre.
Seria mau, não tenho dúvida. A violência não é uma coisa boa. Mas também o é, violência, isto que nos fazem, os submarinos e os BPNs, todas as luvas, subornos, enganos a favor, jeitinhos a amigos, cunhas pelo Partido e todos os recursos, todas as prescrições, todas as penas suspensas. E sim, são coisas que nos fazem, a nós, portugueses, porque somos nós que pagamos os Bancos, as armas, os contratos aldrabados, os milhões desviados e é por isso que em vez de sermos um pequeno país rico, embebido em tecnologia de ponta e turismo, com uma indústria sólida, agricultura e pescas invejáveis, a caminho dos mil anos de história, somos apenas uma sombra do que poderíamos ser.
A culpa pode não ser inteiramente dos corruptos. Mas porque não experimentamos abatê-los todos a tiro, um dia destes e depois logo vemos se ajuda? Tentar não custa.
OK, já repararam que foi a cena da banana e a cena do Nelson Évora e a cena do Donald Sterling na NBA… de repente o racismo reapareceu? Não me parece… o que me parece é que está em marcha uma enorme e enganadora campanha para nos distraír, mais uma vez daquilo que, um pouco por toda a História, organizações governamentais têm tentado esconder da população: uma infecção zombie.
Algures, no planeta, está a haver um outbreak, provavelmente na Ucrânia e se toda a gente estiver entretida a discutir temas sócio-económicos ou políticos, vão acabar por se esquecer de mais uma crise num qualquer país distante (remember Siria?) e não vão chegar a aperceber-se que os zombies andaram aí e a coisa foi contida por pouco. Até ao dia em que não seja.
Pensem lá bem… é mesmo por acidente que, de um dia para o outro, andamos todos a discutir coisas que já deviam ser mais do que evidentes para toda a gente, em pleno século XXI?
É isso e a cena dos gays. Ah, os gays, os gays, olha aqui os gays a comportarem-se, tipo, como pessoas e lá ao fundo? Zombies!
Ando para escrever este post há bastante tempo. Para ser exacto, desde o dia 11 de Agosto, quando morreu o Robin Williams. Na altura surgiram de todos os lados pessoas que pareciam subitamente especialistas em depressão, a partilhar por aí artigos sobre o assunto e a produzir frivolidades sobre como muitas vezes o humor mais […]
A Joana sabe o que quer. A Joana sabe como obter o que quer. A Joana adora as suas princesas e cantar e andar de saia. A Joana tem longos caracóis que saltam quando ela anda e os melhores abraços do mundo e um sorriso só para mim, que não empresto a ninguém. A Joana […]
Inclinou-se, apoiando-se no gradeamento da varanda. Sentia o vento cortar-lhe a face e a roupa era decididamente inadequada í descida de temperatura que se verificara com o anoitecer. Olhou a paisagem da cidade, sem a ver. Olhou, simplesmente, com os olhos vazios, um canal directo para a alma; o que quer que ela fosse, onde […]
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OK, já repararam que foi a cena da banana e a cena do Nelson Évora e a cena do Donald Sterling na NBA… de repente o racismo reapareceu? Não me parece… o que me parece é que está em marcha uma enorme e enganadora campanha para nos distraír, mais uma vez daquilo que, um pouco […]