Este é um post sobre como eu faço pão em casa, com fermento natural, também chamado “massa mãe”. O estilo de pão que produzo tem um sabor semelhante ao pão alentejano e também pode ser classificado como ‘sourdough’. Para mim, é mais ou menos a mesma coisa e o pão sabe-me ao que a minha memória tem classificado como pão: ligeiramente ácido e com uma dose razoável de sal.
Estou longe de ser especialista e já fiz umas pelas porcarias de pães, mas, no geral, saem-me bem, com bom aspecto e sabor, usando esta receita — na verdade, este método, porque o mais importante aqui é a técnica. Portanto, aqui vai uma coisa que já não se encontra na web: um post sobre fazer pão que explica como eu faço pão, rapidamente, sem anúncios e sem contar a História do pão, desde os fenícios até aos dias de hoje. Bora lá.
Ingredientes
Para fazer pão em casa é preciso, acima de tudo, tempo e paciência. Não é uma coisa rápida de se fazer, nem por sombras. Depois, comprar já isto:
Farinha de trigo tipo 65 ou 55 (sacos de 5 kg são práticos)
Farinha integral de centeio (pacotes de 1kg bastam)
O cesto pode ser substituído por uma taça com um pano. A panela poderá ser uma que tenham, mas disclaimer: nunca usei senão a minha panela de ferro esmaltado.
Massa mãe
Há uma maneira muito rápida de fazer pão com farinha, água, sal e fermento químico ou fermento fresco, dito “de padeiro”, que se vendem nos supermercados. Não é este pão. Este pão é feito fermentando farinhas ao longo de vários dias, para que desenvolvam culturas de bactérias que vão por sua vez fermentar a massa, dando-lhe volume e, mais importante: sabor. Em suma: com fermento do supermercado, pão; com fermento natural: pão muita bom.
Para fazer massa mãe é preciso:
Farinha de trigo
Farinha integral de centeio
ígua (preferencialmente filtrada ou mineral)
Um frasco
Demora cerca de uma semana a ter massa mãe madura, capaz de levedar um pão, portanto, todos os dias, repete-se este procedimento:
Colocar no frasco 20g de cada farinha
Juntar 40g de água
Misturar
Tapar levemente (nada de tampas de rosca, que o frasco pode explodir)
No dia seguinte, 24h depois, deita-se tudo fora, menos 10g e repete-se. Ou seja:
Manter no frasco 10g da massa do dia anterior
Juntar 20g de cada farinha
Juntar 40g de água
Misturar
Tapar levemente
Todos os dias, vai-se observando a massa, até se perceber que ela sobe pelo frasco, criando montes de bolhas de ar (depois de usar a massa mãe para fazer um pão convém… mantê-la viva). Quando estiver assim, estará pronta a usar. Eis um exemplo:
Pão
Para fazer pão, são precisos DOIS DIAS. Um dia é inteiramente dedicado a fazer a massa e o segundo dia é para cozer o pão. Para fazer a massa, é preciso começar de manhã cedo (cedo é 8 da manhã, não é 10). Alternativamente, podem preparar a levedura de noite e usar na manhã seguinte.
Vou colocar aqui a receita de pão mais simples que faço e que serve para fazer um pão normal OU com chouriço. Para quem quer fazer pão com chouriço, acrescentarei esse passo, já que não é um desvio muito grande. Para fazer um pão é preciso dois componentes que se misturam em fases diferentes e depois, sal. Assim:
Levedura
20g de massa mãe
20g de farinha de trigo
20g de farinha integral de centeio
40g de água
Massa
450g de farinha de trigo (tipo 65 ou 55)
50g de farinha integral de centeio
350g de água a 30ºC
Sal
11g de sal fino sem aditivos
Passo 1 — 8/9 da manhã
Num frasco, misturar os ingredientes para a levedura, mexer bem e deixar repousar 5 horas. Como disse acima, se não começarem cedinho, esqueçam. São muitas horas. A opção de preparar a levedura da noite para a manhã seguinte também é válida, façam como entenderem.
Passo 2 — 1/2 da tarde
Numa taça grande, misturar os ingredientes listados acima, para “massa”. Misturar bem com uma colher rija. Quando estiver razoavelmente bem misturado, humedecer bem uma mão e dar uns apertões na massa, para certificar que está toda bem hidratada. Não é preciso amassar, não estamos nessa fase.
Deixar repousar uma hora, para a farinha humedecer.
Passo 3 — 1 hora depois
Deitar a levedura por cima da massa e, novamente com a mão bem molhada, misturar bem as duas. Sim, é um bocado pastoso, mas não faz mal. A técnica é ir espetando os dedos na massa, para a levedura entrar, depois dobrar a massa, dar-lhe a volta e repetir. Mas usem a técnica que mais vos aprouver, é preciso é misturar bem as duas substâncias.
Depois de tudo bem misturado: espalhar o sal na superfície da massa e esperar 20 minutos.
Passo 4 — 20 minutos depois
Novamente com a mão molhada, dar apertões na massa, dobrá-la e virá-la, para incorporar o sal. Continuem a misturar até deixarem de sentir a textura de sal.
Passo 5 — logo a seguir
Esticar e dobrar.
Este é o passo que substitui amassar. É muito menos cansativo e funciona bem. Se quiserem procurar na net, tipicamente chama-se “stretch and fold” e há vídeos a pontapé de malta a mostrar como se faz.
Sempre com a mão húmida, esticar uma ponta da massa até sentir resistência, mas sempre sem rasgar a massa. Deitar essa parte da massa por cima do centro. Repetir a toda a volta da massa, umas 5 ou 6 vezes
Tapar e esperar meia hora
Repetir o processo, a cada meia hora, 3 vezes
Depois da última vez, esperar 2 horas
Passo 6 — 3,5 horas depois
Enfarinhar uma superfície de trabalho, preferencialmente, um balcão de pedra
Usar uma espátula de plástico para tirar a massa da taça para a bancada
Com as mãos bem enfarinhadas, esticar a massa num rectângulo, sem rasgar
A porra da massa vai querer agarrar a tudo, é horrível
Usar a espátula de metal e farinha (o mínimo possível), costuma ajudar a descolar a massa da bancada e ir esticando
Depois da massa esticada, dobrar a parte mais próxima até meio, depois a parte mais longe até meio, por cima dessa e depois cada um dos lados até meio, por cima um do outro
Usar a espátula de metal para virar a massa ao contrário: a parte que acabaram de dobrar deve ficar para baixo
Com uma mão de um lado da massa e a espátula do outro, apertar e rodar a massa, para ir formando uma bola
Insistam um bocado nesta parte, a massa deve ficar tensa
Deixar repousar, debaixo de uma tolha de cozinha húmida, durante 15 minutos
Passo 7 —Â 15 minutos depois
Mais uma vez, virar a massa ao contrário: a parte de estava para cima, fica para baixo
Voltar a esticar num rectângulo, como da primeira vez
Se quiserem por chouriço, é agora: distribuir rodelas de meio chouriço por cima do rectangulo de massa; não sejam galifões, meio chouriço é óptimo, mais… é demais
Voltar a fazer as dobras descritas anteriorment
Voltar a formar a bola
Cobrir o tecido do cesto ou o pano com bastante farinha, para que a massa não agarre e transferir a massa para o cesto/taça com pano, com a parte de cima virada para baixo — a “costura” fica para cima
Colocar no frigorífico, tapado, 12-18 ou até 48 horas
Passo 8 — cozer, no dia seguinte
Colocar a panela, tapada, no forno a 250/260 graus, ou no máximo que der, durante, pelo menos, 45 minutos
Retirar a massa do frigorífico, apenas depois da panela bem quente
Espalhar um pouco de farinha na massa e deitá-la, invertendo, num prato
Fazer um corte na superfície da massa, para que tenha por onde expandir: eu uso uma simples lâmina de barba e faço um xis, mas uma faca bem afiada ou até uma tesoura podem servir
Rapidamente: retirar a tampa da panela e colocar CUIDADOSAMENTE a massa lá dentro, colocar imediatamente a tampa e voltar a meter no forno
Esperar 30 minutos
Tirar a tampa da panela e reduzir o forno para 150º
Esperar 5-10 minutos ou até o pão estar com a cor que preferirem
Retirar
Passo 9 — Esperar!
Eu disse que era preciso paciência. Se cortarem o pão ainda quente, vão perder o vapor interno todo e dar cabo do pão. Esperem que arrefeça, senão dão cabo de dias e dias de trabalho, para nada.
Dicas adicionais
Colocar a massa na panela pode ser frustrante, se não estiver “forte” o suficiente: coloquem o prato com a massa o mais próximo da panela e façam um movimento rápido, mas com muito cuidado para não tocarem na panela que vai estar a mais de 200 graus
A cí´dea pode ficar mais bonita e estaladiça se borrifarem a massa com água mesmo antes de colocar a tampa. Este vapor adicional também ajuda a massa a crescer no forno. As lojas chinesas vendem borrifadores de água.
Ter uma massa mãe que cresce para o dobro ou mais é essencial; já me precipitei a fazer pães que depois ficam chapatas densas e quase incomestíveis.
Formar a bola é igualmente importante: esticar bem a massa e dobrá-la sobre si própria e depois passar uns minutos a transformá-la numa bola tensa vai ajudar a que o gás criado pela levedura force o pão a crescer, quando aquece no forno. Se a massa não estiver bem formada, fica mais tipo pasta e não vai crescer no forno.
Se não tiverem prazer a fazer o pão… não vale a pena. A Gleba vende bom pão e não se chateiam. Eu faço porque me dá imenso prazer, ainda mais quando sai bem e ainda mais quando é partilhado e apreciado por outras pessoas.