Como eu faço pão

Publicado em , por Pedro Couto e Santos

Este é um post sobre como eu faço pão em casa, com fermento natural, também chamado “massa mãe”. O estilo de pão que produzo tem um sabor semelhante ao pão alentejano e também pode ser classificado como ‘sourdough’. Para mim, é mais ou menos a mesma coisa e o pão sabe-me ao que a minha memória tem classificado como pão: ligeiramente ácido e com uma dose razoável de sal.

Estou longe de ser especialista e já fiz umas pelas porcarias de pães, mas, no geral, saem-me bem, com bom aspecto e sabor, usando esta receita — na verdade, este método, porque o mais importante aqui é a técnica. Portanto, aqui vai uma coisa que já não se encontra na web: um post sobre fazer pão que explica como eu faço pão, rapidamente, sem anúncios e sem contar a História do pão, desde os fení­cios até aos dias de hoje. Bora lá.

Pão caseiro
Um pão que eu fiz

Ingredientes

Para fazer pão em casa é preciso, acima de tudo, tempo e paciência. Não é uma coisa rápida de se fazer, nem por sombras. Depois, comprar já isto:

O cesto pode ser substituí­do por uma taça com um pano. A panela poderá ser uma que tenham, mas disclaimer: nunca usei senão a minha panela de ferro esmaltado.

Massa mãe

Há uma maneira muito rápida de fazer pão com farinha, água, sal e fermento quí­mico ou fermento fresco, dito “de padeiro”, que se vendem nos supermercados. Não é este pão. Este pão é feito fermentando farinhas ao longo de vários dias, para que desenvolvam culturas de bactérias que vão por sua vez fermentar a massa, dando-lhe volume e, mais importante: sabor.
Em suma: com fermento do supermercado, pão; com fermento natural: pão muita bom.

Para fazer massa mãe é preciso:

  • Farinha de trigo
  • Farinha integral de centeio
  • ígua (preferencialmente filtrada ou mineral)
  • Um frasco

Demora cerca de uma semana a ter massa mãe madura, capaz de levedar um pão, portanto, todos os dias, repete-se este procedimento:

  1. Colocar no frasco 20g de cada farinha
  2. Juntar 40g de água
  3. Misturar
  4. Tapar levemente (nada de tampas de rosca, que o frasco pode explodir)

No dia seguinte, 24h depois, deita-se tudo fora, menos 10g e repete-se. Ou seja:

  1. Manter no frasco 10g da massa do dia anterior
  2. Juntar 20g de cada farinha
  3. Juntar 40g de água
  4. Misturar
  5. Tapar levemente

Todos os dias, vai-se observando a massa, até se perceber que ela sobe pelo frasco, criando montes de bolhas de ar (depois de usar a massa mãe para fazer um pão convém… mantê-la viva). Quando estiver assim, estará pronta a usar. Eis um exemplo:

Massa mãe para fazer pão
Massa mãe bem activa

Pão

Para fazer pão, são precisos DOIS DIAS. Um dia é inteiramente dedicado a fazer a massa e o segundo dia é para cozer o pão. Para fazer a massa, é preciso começar de manhã cedo (cedo é 8 da manhã, não é 10). Alternativamente, podem preparar a levedura de noite e usar na manhã seguinte.

Vou colocar aqui a receita de pão mais simples que faço e que serve para fazer um pão normal OU com chouriço. Para quem quer fazer pão com chouriço, acrescentarei esse passo, já que não é um desvio muito grande. Para fazer um pão é preciso dois componentes que se misturam em fases diferentes e depois, sal. Assim:

Levedura

  • 20g de massa mãe
  • 20g de farinha de trigo
  • 20g de farinha integral de centeio
  • 40g de água

Massa

  • 450g de farinha de trigo (tipo 65 ou 55)
  • 50g de farinha integral de centeio
  • 350g de água a 30ºC

Sal

  • 11g de sal fino sem aditivos

Passo 1 — 8/9 da manhã

Num frasco, misturar os ingredientes para a levedura, mexer bem e deixar repousar 5 horas. Como disse acima, se não começarem cedinho, esqueçam. São muitas horas. A opção de preparar a levedura da noite para a manhã seguinte também é válida, façam como entenderem.

Passo 2 — 1/2 da tarde

Numa taça grande, misturar os ingredientes listados acima, para “massa”. Misturar bem com uma colher rija. Quando estiver razoavelmente bem misturado, humedecer bem uma mão e dar uns apertões na massa, para certificar que está toda bem hidratada. Não é preciso amassar, não estamos nessa fase.

Deixar repousar uma hora, para a farinha humedecer.

Passo 3 — 1 hora depois

Deitar a levedura por cima da massa e, novamente com a mão bem molhada, misturar bem as duas. Sim, é um bocado pastoso, mas não faz mal. A técnica é ir espetando os dedos na massa, para a levedura entrar, depois dobrar a massa, dar-lhe a volta e repetir. Mas usem a técnica que mais vos aprouver, é preciso é misturar bem as duas substâncias.

Depois de tudo bem misturado: espalhar o sal na superfí­cie da massa e esperar 20 minutos.

Passo 4 — 20 minutos depois

Novamente com a mão molhada, dar apertões na massa, dobrá-la e virá-la, para incorporar o sal. Continuem a misturar até deixarem de sentir a textura de sal.

Passo 5 — logo a seguir

Esticar e dobrar.

Este é o passo que substitui amassar. É muito menos cansativo e funciona bem. Se quiserem procurar na net, tipicamente chama-se “stretch and fold” e há ví­deos a pontapé de malta a mostrar como se faz.

  • Sempre com a mão húmida, esticar uma ponta da massa até sentir resistência, mas sempre sem rasgar a massa. Deitar essa parte da massa por cima do centro. Repetir a toda a volta da massa, umas 5 ou 6 vezes
  • Tapar e esperar meia hora
  • Repetir o processo, a cada meia hora, 3 vezes
  • Depois da última vez, esperar 2 horas

Passo 6 — 3,5 horas depois

  • Enfarinhar uma superfí­cie de trabalho, preferencialmente, um balcão de pedra
  • Usar uma espátula de plástico para tirar a massa da taça para a bancada
  • Com as mãos bem enfarinhadas, esticar a massa num rectângulo, sem rasgar
  • A porra da massa vai querer agarrar a tudo, é horrí­vel
  • Usar a espátula de metal e farinha (o mí­nimo possí­vel), costuma ajudar a descolar a massa da bancada e ir esticando
  • Depois da massa esticada, dobrar a parte mais próxima até meio, depois a parte mais longe até meio, por cima dessa e depois cada um dos lados até meio, por cima um do outro
  • Usar a espátula de metal para virar a massa ao contrário: a parte que acabaram de dobrar deve ficar para baixo
  • Com uma mão de um lado da massa e a espátula do outro, apertar e rodar a massa, para ir formando uma bola
  • Insistam um bocado nesta parte, a massa deve ficar tensa
  • Deixar repousar, debaixo de uma tolha de cozinha húmida, durante 15 minutos

Passo 7 — 15 minutos depois

  • Mais uma vez, virar a massa ao contrário: a parte de estava para cima, fica para baixo
  • Voltar a esticar num rectângulo, como da primeira vez
  • Se quiserem por chouriço, é agora: distribuir rodelas de meio chouriço por cima do rectangulo de massa; não sejam galifões, meio chouriço é óptimo, mais… é demais
  • Voltar a fazer as dobras descritas anteriorment
  • Voltar a formar a bola
  • Cobrir o tecido do cesto ou o pano com bastante farinha, para que a massa não agarre e transferir a massa para o cesto/taça com pano, com a parte de cima virada para baixo — a “costura” fica para cima
  • Colocar no frigorí­fico, tapado, 12-18 ou até 48 horas
Massa de pão com chouriço
A massa esticada, antes de se dobrar sobre si própria. Nesta, aproveitei para pí´r chouriço, mas recomendo que aprendam pão básico primeiro, que fazer a bola, com chouriço dentro da massa, é mais difí­cil.

Passo 8 — cozer, no dia seguinte

  • Colocar a panela, tapada, no forno a 250/260 graus, ou no máximo que der, durante, pelo menos, 45 minutos
  • Retirar a massa do frigorí­fico, apenas depois da panela bem quente
  • Espalhar um pouco de farinha na massa e deitá-la, invertendo, num prato
  • Fazer um corte na superfí­cie da massa, para que tenha por onde expandir: eu uso uma simples lâmina de barba e faço um xis, mas uma faca bem afiada ou até uma tesoura podem servir
  • Rapidamente: retirar a tampa da panela e colocar CUIDADOSAMENTE a massa lá dentro, colocar imediatamente a tampa e voltar a meter no forno
  • Esperar 30 minutos
  • Tirar a tampa da panela e reduzir o forno para 150º
  • Esperar 5-10 minutos ou até o pão estar com a cor que preferirem
  • Retirar
Pão caseiro
Aqui vê-se bem para que serve o corte: o gás da levedura expande com o calor e abre o pão. Pode fazer-se sem corte, mas corre-se o risco da cí´dea endurecer demasiado depressa e impedir o pão de expandir tanto como poderia

Passo 9 — Esperar!

Eu disse que era preciso paciência. Se cortarem o pão ainda quente, vão perder o vapor interno todo e dar cabo do pão. Esperem que arrefeça, senão dão cabo de dias e dias de trabalho, para nada.

Dicas adicionais

  • Colocar a massa na panela pode ser frustrante, se não estiver “forte” o suficiente: coloquem o prato com a massa o mais próximo da panela e façam um movimento rápido, mas com muito cuidado para não tocarem na panela que vai estar a mais de 200 graus
  • A cí´dea pode ficar mais bonita e estaladiça se borrifarem a massa com água mesmo antes de colocar a tampa. Este vapor adicional também ajuda a massa a crescer no forno. As lojas chinesas vendem borrifadores de água.
  • Ter uma massa mãe que cresce para o dobro ou mais é essencial; já me precipitei a fazer pães que depois ficam chapatas densas e quase incomestí­veis.
  • Formar a bola é igualmente importante: esticar bem a massa e dobrá-la sobre si própria e depois passar uns minutos a transformá-la numa bola tensa vai ajudar a que o gás criado pela levedura force o pão a crescer, quando aquece no forno. Se a massa não estiver bem formada, fica mais tipo pasta e não vai crescer no forno.
  • Se não tiverem prazer a fazer o pão… não vale a pena. A Gleba vende bom pão e não se chateiam. Eu faço porque me dá imenso prazer, ainda mais quando sai bem e ainda mais quando é partilhado e apreciado por outras pessoas.

Agora vá, ide padeirar!

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