Fünf Tage in Bayern
Publicado em , por Pedro Couto e Santos
Bayern é um dos estados federais da Alemanha, aliás, o maior, o segundo mais populoso e um dos mais ricos. Por cá, chamamos-lhe Baviera e é onde fica München, aliás, Munique. Terra de tradições conservadoras, com os Alpes í vista e onde as frí¤ulein usam dirdnl, com as mamocas a sair por cima e os homens exibem as pernas sob os seus lederhosen, bem seguros com suspensórios.
Aqui, as vacas têm pouca sorte, mas são muito saborosas; no entanto, o prato regional é a cerveja, ou melhor dizendo, a WeiíŸbier (‘weissbier’ – cerveja branca, feita í base de trigo) e com uma caneca dela na mão, não deverá ser preciso qualquer outro alimento. Atenção que uma “média” na Baviera, corresponde a meio litro de cerveja. Para beberem uma dose aceitável de cerveja em München, há que pedir uma MaíŸ (‘mass’), que corresponde a um litro e que abunda pelos Bierhallen e Biergí¤rten que há por todo o lado.
Bom, mas isto para dizer que regressei recentemente de mais uma viagem ao serviço da Impossible Labs. Estive pela segunda vez na pequena cidade Bávara de Penzberg, cerca de 40 minutos a sul de Munique, desta vez por cinco dias. Foi o primeiro local que visitei quando comecei na empresa, apenas durante um dia e portanto já tinha uma ideia do que me esperava, mas não em tanto pormenor.
A vista de uma janela de um avião nunca perde o interesse.
A viagem de Lisboa para Munique começou cedinho, numa segunda-feira de madrugada, a bordo de um táxi almadense, rumo ao aeroporto. O voo – o meu 25º em 14 meses - foi rápido e praticamente indolor, mas a minha experiência recente ajuda muito: a minha potencial ansiedade de viajante é absolutamente nula e os movimentos já são praticamente automáticos a fazer o check-in da bagagem, passar a segurança, ir para a porta de embarque e odiar silenciosamente os galifões que levam malas grandes demais para a cabine e as atiram ao acaso para a bagageira, como se mais ninguém precisasse de lá colocar as suas coisas.
Em Munique fomos até ao balcão da Avis buscar o carro alugado que nos serviria até ao sábado seguinte. Como tínhamos pedido uma Volkswagen Passat, foi-nos dado a escolher entre uma Renault Grand Scénic e um Peugeot 508. Como gosto tanto de Peugeots como de levar socos nas orelhas, escolhi a Renault e fiz-me í estrada com os meus colegas, ainda todos meio na dúvida sobre porque tínhamos passado tanto tempo a conversar sobre que carro alugar até nos decidirmos pela Passat, para depois, afinal, termos que andar uma semana de Renault, mas talvez alguém que perceba agências de aluguer de carros possa explicar.
O primeiro dia foi, assim, dedicado a viajar. Uma viagem de três horas de avião consome cerca de seis horas e é se for um ví´o directo, claro. O Renault mostrou ser um carro bastante aceitável, embora definitivamente aborrecido e ainda me deu um susto quando, sem querer, liguei um limitador de velocidade que me impediu de ultrapassar os 48 km/h enquanto um camionista alemão buzinava atrás de mim. A princípio achei este limitador algo idiota, mas depois de ver como toda a gente cumpre religiosamente os limites de velocidade, sejam eles 120, 80 ou 50, tendo depois o prazer de abusar quando o limite é inexistente, compreendi a utilidade da função.
Penzberg, visto da janela do hotel Berggeist.
Os restantes dias foram passados a trabalhar que nem mouros, que, ao que parece, trabalhavam í brava. Todos os dias éramos dos primeiros a chegar aos laboratórios da Roche, í saída de Penzberg e várias vezes fomos os últimos a sair. Começámos com um workshop com toda a equipa, 22 pessoas numa sala, horas a fio a esmiuçar todo um processo de trabalho e depois avançámos para entrevistas individuais com cientistas, médicos patologistas, investigadores e técnicos de laboratório, umas a seguir í s outras sem grande espaço para parar e fazer um xixi.
Fora das instalações da Roche (lá dentro é proibido fotografar, claro)
Profissionalmente, foi uma experiência insubstituível. Passar quatro dias, de terça a sexta, a falar com pessoas inteligentes e interessantes, com um conhecimento extenso e profundo das suas áreas, mas uma acessibilidade simples e amigável oferece um turbilhão de informação valiosa para o projecto. Nenhum dos entrevistados ofereceu informação repetida, cada um com a sua visão dos processos e tarefas e ideias para contribuir.
No último dia, uma das patologistas veio despedir-se de nós e disse: “Por favor voltem depressa, precisamos muito do trabalho que estão a fazer”. São utilizadores intensivos de um sistema que ainda não tinham tido ninguém que representasse a sua voz perante quem decide o que desenvolver. Trabalhar como designer, assim, é completamente outro nível.
Clarificámos questões, esclarecemos dúvidas e testámos ideias e, talvez ainda mais importante, criámos relações que corresponderão a um maior sucesso do projecto, do que seria possível í distância, a “fazer uns bonecos”. É por isto que sempre me bati para se convidassem os utilizadores para conversarmos com eles e por isto que sempre que me disseram que não valia a pena, senti que não estava no sítio certo para trabalhar como eu queria. Agora, estou e é-me absolutamente óbvio que tinha mesmo razão.
Os designers têm que ser, acima de tudo, representantes. Dos utilizadores, do negócio, do público, das equipas, dos programadores, dos produtores, engenheiros, seja o que for. Com todas as peças, temos a obrigação de oferecer as melhores soluções que sejam possíveis, respeitem necessidades, mas também os constrangimentos e não deixem de parte o negócio.
Quem acha que o design alguma vez foi outra coisa, precisa de voltar para os livros.
Com o trabalho arrumado, 200 respostas e 500 novas perguntas, rumámos, no nosso Renault cinzento e cinzentão, a Munique, Â para uma última noite.
No Der Pschorr, comemos salsichas e sauerkraut, pão alemão, pickles, porco, vaca e toda a espécie de derivados de batata, tudo devidamente acompanhado de litro e meio de WeiíŸbier – cada um, claro. Terminámos com um schnapps e seguimos para um bar qualquer daqueles que, confesso, não são muito o meu estilo: tão cheio que estamos colados a outras pessoas, com música alta demais que nos obriga a conversar aos gritos e com algumas pessoas com um ar verdadeiramente miserável pelos cantos.
Salsicha de vaca, de cerveja e de baço, com sauerkraut e mostarda.
Cansado que nem um burro de carga e com mais um Bushmills no bucho, comecei a cabecear até ir lá para fora, apanhar fresquinho e deitar-me no chão – a minha actividade favorita quando estou bêbado. O segurança do bar não gostou e veio correr comigo, mas pelo menos não apanhei um sopapo e acabei por não vomitar nas ruas de Munique porque, convenhamos, parecia mal.
A última noite foi, na verdade, a única em que dormi bem, no horrível hotel Maritim (desaconselho), onde caí em cima da cama, de luzes acesas e tudo e só acordei í s seis da manhã para um xixi. Diga-se o que se disser do álcool e do trabalho, a verdade é que uma boa combinação dos dois dá um sono dos diabos.
No dia seguinte, depois de deixarmos o carro no aeroporto, rumámos de regresso a Lisboa. Seis dias intensos que me pareceram, facilmente, um mês, mas uma satisfação pessoal enorme e mais uma montanha de trabalho para fazer nos dias e meses que se avizinham.
Quanto a Penzberg, resta-me dizer Ich werde bald wiederkommen!