O que é um apocalipse? Apocálypsis – uma revelação. Não um final, mas uma mudança nascida de um momento de compreensão definitiva. Talvez catastrófica.
Um momento que vamos esperando e evitando, em doses iguais. Uns dias empurra de um lado, outros, do outro. Mas sabemos que enquanto mantivermos um braço de ferro entre os nossos próprios braços, nunca vamos ganhar essa clarividência que tanto nos falta. Passamos a vida convencidos de que certos pensamentos e ideias são castastróficos e destruidores, que não pode haver revelação e consequente mudança sem a hecatombe que lhe associamos.
Mas com o passar do tempo e talvez com alguma ajuda, começamos a perceber que nada disso faz sentido. Que algumas verdades que tomávamos por basilares são só possibilidades num mundo onde o que não faltam são outras possibilidades. São apenas pensamentos e ideias válidos e aceitáveis que podem facilmente co-existir com qualquer forma de realidade que possamos habitar.
Crescemos a olhar para nós próprios como pessoas de amplos horizontes, moral equilibrada, filosofia flexível e demoramos anos a fio a perceber que somos todos dogmáticos e fechados para alguém, somos todos inflexíveis e retrógados para outras pessoas. E essas outras pessoas somos nós próprios, a nossa própria versão apocalíptica – de olhos abertos, conhecedores, livres.
Mas acordamos todos os dias, com o rastilho numa mão e o fósforo na outra, incapazes de os juntar para enfim podermos espreitar e ver o que está para lá do muro, sem receio que nenhum destroço nos caia em cima e nos esmague, mesmo ali, í beira da nossa própria revelação.
Recentemente, vi o Whiplash. Um filme que separa ser apenas bom de ser o melhor e o faz submerso em jazz e com uma realização estupenda e uma fotografia deliciosa. A permissa já de si é boa. Mas o facto de fazer tudo isto sem cair em demasiados clichés melodramáticos faz de Whiplash um dos meus filmes preferidos dos últimos anos.
É verdade, estou longe de ser o consumidor de cinema que em tempos fui. As razões para isso são múltiplas, mas a mais forte é provavelmente algo patética: a ideia de que se vir um filme e for mau, incorri num desperdício de tempo catastrófico. É, portanto, especialmente bom quando faço esse investimento e saio com o resultado diametralmente oposto: um filme que não só me deu imenso prazer ver, como sei que vou rever várias vezes.
Whiplash não tem uma história complicada ou sequer imprevisível, mas está bem contada e parece-me humana. Apesar dos dois personagens principais serem especialmente bons músicos, a um nível que muitos excelentes músicos nunca chegarão, não deixam de ser apenas duas pessoas. Nem um é herói, nem o outro vilão. Simplesmente, vivem num mundo onde o nível de exigência e a especialização é de tal ordem que não existe margem de manobra para ser menos do que absolutamente brilhante.
Existe muita música onde se pode ser muito relevante, bom, interessante, até mesmo bem sucedido. E depois existe o mundo representado no filme (acredito que o mesmo pudesse contar uma história de um executante de música clássica, onde acredito que o nível seja semelhante ou superior) e sim, eu acho que é importante gostar-se de música para ver este filme. Não será essencial, porque é genericamente um bom filme, mas acho que há certos detalhes que poderão ser melhor apreciados por amantes de música.
Tentem acompanhar onde estão os desafinos ou as falhas de ritmo detectadas pelo implacável professor Fletcher ou perceber como ele elimina um saxofonista antes que ele consiga tocar a sua terceira nota. Pela simplicidade, pela realização cuidada e pela fotografia cor de âmbar, Whiplash agarrou-me, pelos detalhes musicais, entrou para a minha lista de filmes preferidos.
Whiplash é um filme de 2014, estreado em Sundance. É escrito e realizado por Damien Chazelle e tem Miles Teller no papel de Andrew, um jovem aspirante a melhor baterista do mundo (é mesmo ele que toca bateria no filme) e J. K. Simmons, como seu exigente e agressivo professor Fletcher. Vale a pena ver, fica o trailer.
Os Especialistas são um cartoon criado por mim e pelo Nelson Martins em 1998 para a Digito, uma publicação digital portuguesa entretanto, infelizmente, extinta.
A tira passou por várias fases, tendo desaparecido com o fim da Digito re-surgiu no primeiro Codebits, a convite do SAPO. Havia de voltar a parar para, desde finais de 2012, recomeçar novamente, desta vez já só com tiras minhas.
Dou por mim muitas vezes a pensar que sou um cartoonista acidental. Embora sempre tenha feito banda desenhada (saudosas, as aventuras do Super Labrego), sempre me senti um invasor de um mundo onde tanta gente é tão melhor a fazer bonecos falantes.
Quase todas as semanas fico maravilhado com o facto de conseguir fazer uma nova tira (os Especialistas saem í s terças-feiras, no site do Codebits), quando muitas vezes já me parece que não vou ter ideia nenhuma ou que vou acabar a repetir uma tira qualquer que já fiz antes.
Mas é engraçado: quanto mais faço, mais me parece difícil mas mais fácil se torna. Custa-me imaginar como trabalharão os cartoonistas que todos os dias têm que ter uma tira nova (já agora, sobre isso, aconselho vivamente o estupendo documentário “Stripped“), mas ao mesmo tempo também os invejo um bocadinho por fazerem diariamente aquilo que tanto gozo me dá fazer ao fim de semana.
Acima de tudo, escrever e desenhar estes bonecos é um momento único na minha vida e provavelmente uma das minhas coisas preferidas, em que todo o processo, desde ter a ideia, a escrever o texto, desenhar as vinhetas e pintar tudo, me dá especial prazer.
Esta semana, quis partilhar esse processo com toda a gente. Embora já tenha feito vídeos com captura de ecrã antes (como este ou este), nunca tinha feito um em que se percebesse exactamente como faço uma destas tiras com as minhas mãozinhas. Portanto, peguei no telefone, coloquei-o numa estante para partituras que apontei para a minha Wacom e filmei todo o processo.
Desta vez, como já tinha tido a ideia e o texto já estava na tira, todo o processo documentado no vídeo demorou cerca de 35 minutos. É mais ou menos invulgar uma tira estar pronta em tão pouco tempo, mas como já tinha tudo alinhado e os desenhos eram simples, acabou por funcionar bem para o vídeo. No dito, comprimi o tempo para 10 minutos, o que significa que está tudo cerca de três vezes mais rápido e pronto, sem mais demora, deixo-vos o dito vídeo. Enjoy.
Esta tira, especificamente, pode ser lida aqui. Está em inglês, dado que o Codebits tem um público internacional, mas não me parece que isso seja um obstáculo, nos dias que correm.
Eu sei… ao fim de todo este tempo, já parece que este blog é mais um ocasional repositório de coisas compridas demais para o Twitter ou Facebook e não aquilo que já em tempos foi: um registo pessoal de tudo um pouco, do que se cruza com a minha vida e que me sinto compelido a pí´r em palavras.
Chegar agora aqui para falar de um passeio em família pelos jardins e museu da Gulbenkian pode parecer já quase deslocado, mas não faz mal. O que este blog tem sido é uma espécie de companheiro, já de quinze anos, quase dezasseis e que vai aguentando as mudanças que a minha própria vida leva, adaptando-se como pode.
Agora que começo a sentir uma necessidade quase física de escrever e que vou enchendo ficheiros (ainda se enchem cadernos?), com os mais variados e profundamente neuróticos disparates, lembrei-me novamente do Macacos Sem Galho e de como está sempre aqui disposto a amparar-me os golpes.
A vida é tanto sobre o que nos acontece como e sobre a forma como lidamos com isso. E í s vezes, a forma de lidar com coisas é acordar de manhã e decidir ir passear.
Não fui eu, foi a Dalila. Equanto eu tomava o pequeno-almoço sugeriu que fossemos dar uma volta nos jardins da Gulbenkian com o plano b de visitar o museu se começasse a chover (algo que estava previso para a uma da tarde e que aconteceu, com precisão germânica, í uma da tarde).
Debaixo de um vento incómodo e frio pouco convidativo, encolhemos os ombros e metemo-nos no carro rumo a Lisboa.
Os miúdos adoraram os jardins, sobretudo o Tiago que correu desvairadamente por todos os cantos e recantos, desaparecendo várias vezes da nossa vista, mas demonstrando que sentido de orientação é coisa que não lhe falta, pela facilidade com que dava voltas e regressava sempre ao nosso lado.
Fizemos uma visita í geladaria do centro interpretativo, uma Ice Gourmet (ao que parece), simpática e confortável, cheia de gente a ler e coisas assim. A Joana foi a única a provar um dos tais gelados gourmet e pareceu satisfeita.
Quando saímos do café, começou a chover. Depois de uma visita rápida ao CAM (para fazer xixi, não para ver arte moderna), rumámos, sob a chuva, ao Museu Gulbenkian, que acabaria por não ser apenas o plano b, mas a segunda parte da visita.
Os miúdos entraram cheios de entusiasmo que foi desvanecendo ao longo da colecção, o que não foi de todo inesperado, nem impediu que revisitássemos aquela galeria onde não punhamos os pés há muitos, muitos anos.
Visitar a Gulbenkian trouxe-me boas memórias e atirou-me, mesmo que temporariamente, para outro um outro eu, que tem estado arrumado, enterrado, como se esperar por melhores tempos fizesse alguma espécie de sentido.
O ambiente do museu, as obras de arte, as pinturas, esculturas, até o mobiliário antigo, lembram-me que um dia fiz uma escolha, que optei por segurança, carreira e essas coisas bonitas que o mundo parece exigir-nos silenciosamente; lembra-me que, algures pelo caminho ficou outra coisa, uma coisa diferente, onde técnica não tem nada a ver com hardware, onde paixão não tem qualquer relação com o mercado e onde a inovação é uma coisa pessoal.
Os últimos tempos têm sido brutalmente frustrantes, o dia a dia não reflecte minimamente a minha ambição, o mundo não quer saber de nada disso e já tendo idade para ter juízo, vou fazendo um esforço por me manter funcional numa altura em que a única opção que me parece sensata é a de me deitar no chão algures e não me voltar a levantar enquanto não achar que sei tudo. Ou seja, nunca.
Mas felizmente há momentos como este, hoje. Com as pessoas que mais amo no mundo, sem problemas, sem conflitos, apenas com o prazer de mergulhar num mundo que por razões que me transcendem, deixei para trás.
O que é um apocalipse? Apocálypsis – uma revelação. Não um final, mas uma mudança nascida de um momento de compreensão definitiva. Talvez catastrófica. Um momento que vamos esperando e evitando, em doses iguais. Uns dias empurra de um lado, outros, do outro. Mas sabemos que enquanto mantivermos um braço de ferro entre os nossos […]
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