Inclinou-se, apoiando-se no gradeamento da varanda. Sentia o vento cortar-lhe a face e a roupa era decididamente inadequada í descida de temperatura que se verificara com o anoitecer.
Olhou a paisagem da cidade, sem a ver. Olhou, simplesmente, com os olhos vazios, um canal directo para a alma; o que quer que ela fosse, onde quer que ela estivesse.
Com as pontas dos dedos, alcançou o copo de whiskey de cima da pequena mesa de ferro e engoliu um trago, depois outro. Deixou que o fogo do álcool traçasse um caminho de calor por entre o gelo das suas entranhas. Imaginou-se seguindo esse rasto, como se na sua luz pudesse vislumbrar o que a escuridão lhe ocultava. Mas em vão. Nada o seu ser lhe queria mostrar, nada tinha para lhe dizer.
Tirou um morango da taça e mordeu-o. Sentiu o doce ácido do fruto nas gengivas e o perfume intenso nas narinas. Desejou que lhe mostrassem alguma verdade, que pelo menos lhe dessem uma pista… Não obteve eco. Não conseguiu ligação. Sabia apenas da sua completa inexistência. Nada mais, nada real. O calor, a luz, a dissolução na sua boca, nada.
A cidade, em baixo, serena. Aquele tom de laranja, contra um céu não suficientemente preto. E ele ali, naquele parapeito apoiado, cotovelos marcados pela pedra, orelhas geladas pelo vento, agonia, felicidade, indecisão. Nada.
Da inexistência í inexistência que distância irá? Que justificação necessitaria, para a medir?
Com a mão dentro dos calções, coçou a virilha direita; com os dedos, beliscou o mamilo, num gesto de hábito criado na solidão. O copo de whiskey, já vazio, em cima da mesa. Mais um morango.
Atirou-se da varanda até se estatelar, umas dezenas de metros abaixo. Ou não se atirou. Não achou que fizesse diferença. Pegou na garrafa e bebeu mais um trago, directamente do gargalo. Comeu outro morango e percebeu como funcionava a morte.
Foi para dentro e fechou a janela. Deitou-se, para dormir. Amanhã, inexistirá novamente… E porque não?
Sou um fã de filmes de máfia. Não os terei visto todos, mas conto alguns entre os meus filmes preferidos de sempre. A trilogia Godfather está no topo dessa lista (ou pelo menos os dois primeiros), mas filmes como Casino ou Goodfellas também têm o seu lugar.
Confesso, sem grande pudor, que as minhas cenas preferidas desses filmes são as limpezas executadas com sincronismo perfeito, verdadeiras chacinas coreografadas, em que num dado momento, vários enforcers distribuem retribuição impiedosa pelos inimigos da família.
No Godfather, durante um baptizado, os Corleone eliminam os seus adversários em New York, bem como Moe Greene, em Las Vegas, com um famoso tiro num olho. No Casino, o morticínio é de uma violência obscena e inclui o sangrento espancamento de Nicky e o seu irmão Dominick, enterrados ainda vivos, depois da sova com tacos de baseball e só Ace escapa por pouco a uma bomba no seu carro.
Enfim, são estás limpezas que fazem tabula rasa para que quem sobra medre no negócio daí para a frente. É uma técnica de desbravamento do velho para dar lugar ao novo, mas não só: é muitas vezes a eliminação de um certo elemento de deslealdade, corrupção perante as regras não escritas das organizações criminosas.
É verdade que se eliminam criminosos para que sobrevivam outros criminosos e é verdade que a ideia não pode ser transferida directamente. Mas hoje, depois de ter visto um documentário sobre o caso dos submarinos, não pude evitar deixar de pensar que este país precisa de uma grande cena final de um filme de máfia.
Talvez o momento fosse um grande jogo de futebol, uma final com a Selecção, com Cristiano Ronaldo a prender os portugueses í TV e lá fora, um oleado grupo, armado até aos dentes, fazendo uma verdadeira sinfonia de chumbo. Os corruptos, os abusadores do poder, os usurpadores, os ladrões que agem impunemente e ainda se riem do alto das prescrições dos seus crimes para um país cada vez mais pobre.
Seria mau, não tenho dúvida. A violência não é uma coisa boa. Mas também o é, violência, isto que nos fazem, os submarinos e os BPNs, todas as luvas, subornos, enganos a favor, jeitinhos a amigos, cunhas pelo Partido e todos os recursos, todas as prescrições, todas as penas suspensas. E sim, são coisas que nos fazem, a nós, portugueses, porque somos nós que pagamos os Bancos, as armas, os contratos aldrabados, os milhões desviados e é por isso que em vez de sermos um pequeno país rico, embebido em tecnologia de ponta e turismo, com uma indústria sólida, agricultura e pescas invejáveis, a caminho dos mil anos de história, somos apenas uma sombra do que poderíamos ser.
A culpa pode não ser inteiramente dos corruptos. Mas porque não experimentamos abatê-los todos a tiro, um dia destes e depois logo vemos se ajuda? Tentar não custa.
Inclinou-se, apoiando-se no gradeamento da varanda. Sentia o vento cortar-lhe a face e a roupa era decididamente inadequada í descida de temperatura que se verificara com o anoitecer. Olhou a paisagem da cidade, sem a ver. Olhou, simplesmente, com os olhos vazios, um canal directo para a alma; o que quer que ela fosse, onde […]
Sou um fã de filmes de máfia. Não os terei visto todos, mas conto alguns entre os meus filmes preferidos de sempre. A trilogia Godfather está no topo dessa lista (ou pelo menos os dois primeiros), mas filmes como Casino ou Goodfellas também têm o seu lugar. Confesso, sem grande pudor, que as minhas cenas […]