Proposta Cento e Dezoito
Publicado em , por Pedro Couto e Santos
Recentemente, a deputada do PS, Gabriela Canavilhas, pianista e ex-Ministra da Cultura, propí´s, na AR, uma revisão í chamada Lei da Cópia Privada que preconiza o pagamento de uma taxa sobre consumíveis que permitam armazenar cópias de trabalhos com direitos de autor reservados, para que os criadores, artistas, autores possam ser ressarcidos do facto das suas obras serem copiadas.
Já muito se escreveu sobre o assunto e aconselho-vos desde já a dirigirem-se ao blog da Jonas, do Eduardo ou a ler este post do Blasfémias para ficarem devidamente informados. Não pretendo aqui explicar a Lei, nem as suas falácias, como estes três bloggers já fizeram, certamente  melhor.
Tenho andado a pensar sobre o que escrever acerca deste tema sem ser redundante em relação ao que já tem sido escrito e sem me limitar a apontar o óbvio, ou melhor, aquilo que é óbvio para toda a gente que perceba minimamente do assunto: que, acima de tudo, a aplicação de uma taxa por unidade de armazenamento é uma obscenidade.
Quanto í essência da Lei, que é uma Lei que já existe, atenção; que já nos faz pagar 3% sobre CD-R, cassettes ou filmes fotográficos, vou apenas dizer isto: imagine-se que temos que pagar 60 cêntimos por prateleira para estantes com 5 prateleiras ou 95 cêntimos por prateleira para estantes com seis ou mais prateleiras porque as estantes podem servir para armazenar cópias de trabalhos com direitos de autor. Imaginem que mesmo que usem as estantes para guardar brinquedos dos putos, livros originais ou bibelots comprados em viagem (em cima de belos naperons), pagam a taxa na mesma.
Lembrem-se: esta Lei não tem nada a ver com pirataria. Muita gente não se apercebe que, quando compra um CD, não compra a música, compra o direito de tocar aquele  CD. Não o pode copiar para outro CD, para andar com um no carro, não o pode ‘ripar’ para o seu iPod para o ouvir enquanto dá uma corridinha sem pagar uma taxa. Ao que parece, a dita taxa não está incluída na compra do original, portanto, é cobrada em suportes que permitam receber a dita cópia*.
É tudo. A pirataria continua a ser ilegal.
Mas o que me tem passado mais pela cabeça no meio disto tudo não são os detalhes da Lei; esses são tão escabrosos, tão absolutamente obscenos que não consigo acreditar que tenham sido definidos por ignorância. Foram definidos com malícia e ganância.
Foi dado a um grupo de pessoas a oportunidade de arranjarem um rendimento de milhões de euros por ano e essas pessoas não hesitaram em garantir que essa quantia era não só significativa, como tinha o potencial quase garantido de aumentar exponencialmente de ano para ano. Entre essas pessoas, encontra-se a Sociedade Portuguesa de Autores, SPA, mas note-se que, por exemplo, a minha mulher é autora de música, mas não absolutamente nada a ver com a SPA – ela tem zero direito a seja que valor for; a taxa não é para os autores, é para entidades gestoras de direitos de autor – coisas bem diferentes.
Aquilo em que tenho pensado mais, quando penso nesta infâme PL118 é na corrupção dos Governos, das Instituições e das Empresas que são lugar-comum no mundo em que vivemos. Olho í volta e não vejo solução. Não vejo caminho, não vejo saída.
Tudo isto está ligado. Serei paranóico? Talvez, mas honestamente, estou cansado disto. E ultimamente tenho escrito vários posts em que assumo que talvez seja paranóico. Começo a pensar que paranóia não tem nada a ver com isto…
As pessoas aceitam mais impostos, menos poder de compra, cortes de salários. As pessoas aceitam, as pessoas aguentam. As pessoas não fazem nada e ficam a olhar. Os Bancos são financiados, políticos nomeados para gigantescos cargos, grupos de interesse ditam alterações a Leis ao ouvido de deputados.
Os preços sobem, o emprego desce, os salários caem. As pessoas aceitam.
Nos Estados Unidos discute-se o SOPA que, da maneira como está definido, pode mandar abaixo, num só dia, coisas como o YouTube ou o Facebook, o Blogger, o Flickr, o SoundCloud ou o Tumblr, apenas porque esses serviços têm o potencial de alojar pirataria.
O que fazemos nós? Escrevemos posts? Iniciamos grupos no Facebook? Escrevemos uns tweets? Alguns até conseguem trocar umas mensagens com uns deputados. Mas de que nos serve isso? Será suficiente?
E no futuro, quando o que estiver em causa não for apenas o preço de um disco rígido ou um corte de um subsídio de férias? Nós temos palavras, eles têm a Lei.
Eles, os tipos que todos nós vemos na TV e nos jornais, desde miúdos. Reparem, ainda lemos o que disse o Soares, ainda ouvimos falar do que anda a fazer o Freitas do Amaral. Os dirigentes dos Sindicatos ainda são os mesmos, os tipos que rodearam os vários Primeiros Minsitros ao longo dos anos, estão a dirigir grandes empresas, alguns dirigentes de grandes empresas passam por Ministros. O PSD que criticava fortemente o PS pelas nomeações, já nomeou 600 pessoas em seis meses, o PS fez o mesmo e até os pequenos partidos, com o PCP que se queixa de nunca ter tido oportunidade de governar, governa í grande nas inúmeras autarquias que domina e onde também certamente não faltaram acumulações de cargos, nomeações e ajustes directos.
São grupos de umas centenas de pessoas, interligados, sempre os mesmos, com a ocasional mudança que nada muda e que dirigem ou se deixam dirigir, consoante a posição que ocupam e que decidem sobre a nossa vida.
E eu continuo a não ver saída. Continuo a não ver, nas pessoas, poder de intervir.
Esta badalada PL118 tem o acordo de todos os partidos com assento parlamentar. É quase inacreditável! Os cinco partidos estão de acordo. Como é possível? Quando assistimos, diariamente, a partidos a discordar uns dos outros, muitas vezes, aparentemente, apenas porque são outros partidos.
Quem tem tanto poder assim? Quem consegue propor uma alteração a uma Lei que fará os consumidores chegar a pagar 1500% de imposto sobre um bem de consumo e fazer com que todos os partidos concordem?!
Este será apenas um pequeno sinal. Outros, muito maiores e mais óbvios se levantam: a substituição dos Governos Grego e Italiano, por exemplo.
Assim como a Dorothy e o Toto já não estavam no Kansas, meus amigos… eu acho que nós já não estamos em Democracia.
Estamos numa pós-Democracia em que o único acto Democrático que persiste é o do voto. E persiste, porque se tornou irrelevante. Votar é indiferente.
O nosso país é governado por grupos de pessoas com interesses próprios. São pessoas com uma carreira, com determinados objectivos em com amigos e associados que os podem ajudar ou precisar de ajuda para algo e que gerem as suas necessidades em função do poder que têm. Os mais pequenos espremem uma Freguesia, os maiores, espremem Continentes.
Nós, as pessoas – we the people – somos gado. Quando nos apertam as tetas, sai dinheiro e nós encaminhamo-nos para a ordenhadeira todos os dias… sem tugir nem mugir.
*nota: o parágrafo sobre cópia privada estava incorrecto na versão original deste post. A cópia privada é de facto permitida, mas sempre mediante a tal taxa que se paga sobre suportes virgens, independentemente do uso que se dê aos ditos suportes que, como é evidente, podem ser usados para guardar bases de dados, fotografias da família, textos pessoais, etc. e não apenas (ou não sequer), cópias de obras protegidas por direitos de autor. Obrigado í Maria João, pelo aviso.