Publicado em , por Pedro Couto e Santos
Na generalidade, somos seres com pouca capacidade de improvisação. Sim, quando damos por nós em situações invulgares, todos temos um Bear Grylls dentro de nós, mas no aborrecido dia-a-dia o que queremos é ter o pão sempre no mesmo sítio, perto da manteiga e não muito longe da torradeira. Queremos que os transportes andem a horas, que nos digam quando correr e em que sítio parar e, já agora, que nos informem quando devemos celebrar alguma coisa.
É por isso que, por muito que se apregoe por aí que é “quando um homem quiser”, o natal calha sempre na mesma altura.
E já calhava nesta altura há muitos séculos, diria mesmo milénios, muito antes do Atleta da Cruz, quando os povos pagãos se juntavam algures ali entre 20 e 30 de Dezembro (quem sabe, a 25…), para celebrar a mudança de estação (dica: acontecia o mesmo na Primavera e agora chamam-lhe Páscoa), para comer, ver a família e trocar oferendas.
É, portanto, hilariante, ver as bandeirinhas do menino Jesus nas janelas, em resposta ao Pai Natal trepador, como se algum dos dois tivesse alguma coisa a ver com esta celebração – a do solstício de Inverno, ao fim e ao cabo.
Tudo isto para dizer que já passou mais um natal e que eu poderia dizer que “isto é giro é com miúdos”, mas não digo porque se dissesse, sentir-me-ia na obrigação de me levantar e pregar um valente tabefe em mim mesmo por dizer tamanha estupidez.
Sim, é verdade, os miúdos são estupendos e nada bate o seu entusiasmo ao abrir aquela prenda especial porque tanto ansiaram.
Mas isso são 5 minutos.
E as restantes 48 horas? Quem os atura?
O dia 24 foi complicado. Há prendas, mas não as podes abrir já, estamos a fazer doces, mas não os podes comer já, vamos sair, mas não é já. Tudo isto é complicado de encaixar para um puto de 3 anos. Ao almoço, deu-se a primeira birra… e ainda faltavam cinco horas para sairmos de casa.
Na viagem, adormeceu – aliás, adormeceram ambos e a dormir foram, o caminho todo.
Eu não. Eu ia acordado e bem acordado, com o vidro lamentavelmente gorduroso, chuva copiosa e uma noite escura, conduzir até Palmela não foi tanto uma tarefa, mas mais uma tortura. Quando cheguei, a dor de cabeça estava bem instalada.
Por razões menos boas, tive que ficar sozinho com os dois miúdos, porque a Dee teve que sair um pouco. Eu no sofá, lareira acesa (odeio lareiras), casacos vestidos e os dois putos em cima de mim. O Tiago, voltou a adormecer e já ressonava quando a minha sogra pegou na Joana.
Até aqui tudo bem. Depois percebi que ele estava ensopado em suor (mencionei que odeio lareiras?), resolvi tirar-lhe o casaco e ele acordou.
Começou apenas por berrar, depois mudou para gritos de “não! não!”. Entretanto, a irmã entrou no concerto. Choravam ambos.
O Tiago, começava a entrar em desespero – cheio de sono – só gritava que não queria aquela casa, que queria a dele, que queria o bebé (o urso dele, que logo por azar, ficou esquecido na escola este fim de semana).
A dada altura, alguém levou a Joana não sei para onde e só a ouvia chorar compulsivamente – como ela tão bem faz – enquanto o Tiago, ao meu colo, me imobilizava porque tinha acessos de pânico com direito a estrebuchamento e tudo, sempre que fazia tenção de me afastar da sala para tentar ir ver o que se passava com a irmã.
Entretanto iam chegando convidados e ocasionalmente, alguém decidia que era boa ideia tentar intervir: “então Tiago? Vamos lá, o que se passa? Vamos brincar, olha, vem aí o pai natal”. Fúria incontrolável. De cada vez que quase o conseguia acalmar e alguém – sempre bem intencionado, claro – intervinha de alguma forma, lá entrava ele em nova espiral de berraria.
Isto durou bem mais de uma hora e continuou mesmo depois da Dee ter voltado; como teve que ir dar mama í Joana (o que, vá lá, a acalmou a ela), não chegou a conseguir tentar acalmá-lo (sem garantias de que funcionasse, claro). Até que, como que por magia, ou por lhe ter passado o sono, acalmou-se, pediu frango, sentou-se í mesa, jantou e passado um bocado andava pela casa a brincar com os primos.
Foi giro, serviu para me por mais 5 cabelos brancos e para me dar uma das mais insuportáveis dores de costas de que tenho memória, por ter passado hora e meia com um primata de 15 kg ao colo, a contorcer-se.
Seguiram-se os tais 5 minutos que valem a pena. Quando recebeu o Buzz Lightyear, que é igualzinho ao do filme e vem dentro de uma caixa em forma de nave e tudo, o resto do mundo deixou de existir. Até recusou prendas e abriu outros brinquedos com desinteresse.
É, de facto, compensador, ver o nosso filho tão feliz.
Já há uns anos que, depois de Palmela, ainda seguíamos para casa dos meus pais para mais uma festa de natal, pela noite dentro, mas essa prática, felizmente, já está no passado e viemos apenas dormir.
A segunda festa, passou para dia 25. E desta vez foi cá em casa, com o mínimo indispensável de prendas, por oposição í s 200 toneladas que costumávamos trocar e primordialmente focada nos miúdos. Vá, sobretudo no Tiago, que a Joana ainda não está muito para aí virada.
Ele recebeu tantas prendas que muitas ficaram por abrir e foram sendo descobertas aos poucos, durante a noite.
A coisa culminou numa casinha de plástico que os meus pais lhe compraram e que a família toda se juntou a montar na varanda. Mais uma vez, cansado e farto de esperar, o Tiago começou a passar-se e a dada altura já batia em toda a gente. Foi então agraciado com uma palmada no rabo e expulsão do próprio quarto enquanto os adultos ficaram a acabar de montar o brinquedo.
A fita acabou por passar depressa, muito graças ao tio Filipe que é o maioral da brincadeira e o anima sempre.
O Buzz foi um êxito, mas o destaque que teve também se diluiu um pouco entre variadíssimos aliens do Ben 10, mais um Wall-e e uma Eva, um escorrega, pistolas electrónicas, enfim… coisas para brincar até fartar.
A coisa não acabaria, porém, sem mais uma palmadita no Tiaguito, que resolveu pegar numa tijela que os avós lhe compraram e – com o seu ar “vai-te foder”, para mim – atirá-la para o chão.
Sim, o meu filho de 3 anos tem um ar “vai-te foder”.
E foi assim que depois de três ou quatro birras e duas ou três palmadas, montes de prendas, família e doces, se passou mais um estupendo natal.
Percebem agora porque é que mereço um tabefe se disser que o natal é melhor com miúdos?
LOL, muito bom
Quanto ao “ver as bandeirinhas do menino Jesus nas janelas” se for o que eu estou a pensar foram umas coisas que se venderam na vinda do papa a portugal e por la ficaram.. mas posso estar enganado
Não, estas são bandeirinhas que surgiram há uns dois anos em reacção aos pais natais pendurados das varandas. Um qualquer grupo cristão veio dizer que o natal não é sobre o pai natal, mas sobre o nascimento de Jesus e portanto, decorando-se a janela com algo, devia ser com as ditas bandeirinhas.
A verdade é que a maioria dos cristãos não sabe que não há qualquer relato do nascimento de Jesus e ninguém sabe muito bem quando poderá ele ter nascido (se nasceu). Acho que algures no final do Verão é uma das hipóteses correntes. 25 de Dezembro já era usado há muito para celebrações diversas, relacionadas com as mudanças de estação, a agricultura, etc.
Pelo que ouvi os padres receberam mesmo indicações dos seus superiores para começar a passar a ideia de que o Natal é sobre Cristo. Um amigo foi a uma missa e o padre disse inclusíve que no Natal mais importante que a familia é celebrar o nascimento de Cristo.
São coisas destas que depois fazem as pessoas fazerem unfollow í igreja. :P
Fazerem unfollow í igreja é muito bom :-)
O João a primeira vez que viu uma dessas bandeiras disse:
” Olha mãe uma menina sentada na sanita”!!
;-)
Hahahahaha, lindo! :-)
Eish… acabei de ter um flashforward daquilo que me espera… Oh well… :)
Tu assustas-me, mas a verdade é que revejo alguns comportamentos de birras ao olhar para a minha infância, portanto, se for agraciada com tais desgraças só tenho de engolir.
Bem, e na volta, confio no pai para ser um grande disciplinador.
Nem todos os miúdos têm que ser assim, embora, falando com pais, descobre-se que 95% são.
Boa sorte. :-)
Pois olha que, para mim, este foi o natal mais divertido dos últimos anos. É impagável ver a felicidade nos olhos do Tiago, ao desembrulhar uma prenda. Não há nada melhor do que o ver í s voltas, na casa nova, mantando monstros com o Filipe (“Oh não! Mais monstos!”). E depois, sempre que faz birras, os paizinhos que o aturem…
Tudo seria mais fácil se se resumisse í quela tarde de sábado.