Afinal o exercí­cio fí­sico…

Publicado em , por Pedro Couto e Santos

Aqui há coisa de mês e picos reparei que a capa da Visão trazia um tí­tulo completamente imbecil. Dizia “Afinal, o exercí­cio não emagrece.”. Não me pareceu passar de uma tática para vender revistas já que, aposto, deve andar por aí­ muito anafado desejoso que se prove que afinal comer equilibradamente e fazer exercí­cio só faz é mal í  saúde.

Mas irritou-me porque, não sendo especialista na matéria, me parece, bom, basicamente, mentira e mentir para vender revistas é algo de verdadeiramente baixo.

Foi então com interesse, mas sem surpresa que recebi um e-mail, uma carta aberta í  revista Visão, da autoria de Pedro Teixeira, investigador e professor de nutrição, obesidade e exercicio, da FMH, que me foi enviado pela minha irmã.

O texto está extremamente bem escrito, é claro e informativo e embora não contenha referências externas (no e-mail elas vêm indicadas, mas o mesmo chegou-me sem os anexos), parece-me espelhar aquilo que a ciência indica hoje em dia e que, de qualquer maneira, basta puxar um bocadinho pela cabeça para perceber.

Decidi reproduzir aqui o texto, que vem com a indicação de ser de livre circulação, para que o possam ler, caso não tenham recebido o mail.

Cito:

“Carta aberta ao Director da Revista VISíƒO, em resposta ao artigo de capa da edição de 10 de Setembro, “Afinal, o Exercí­cio Não Emagrece”.
(nota: este email pode ser circulado livremente)

“A actividade fí­sica faz bem í  saúde, mas não chega para nos tirar quilos do corpo. Às vezes até acrescenta alguns”

Foi recentemente publicado na revista TIME um artigo versando o tema da utilidade e eficácia do exercí­cio fí­sico para a perda de peso. Presumivelmente devido ao risco de propagação nos leitores de ideias erradas acerca de um tema com implicações para a saúde da população norte-americana, o artigo suscitou reparos e reacções de reprovação por parte de sociedades cientí­ficas (por exemplo, o Colégio Americano de Medicina Desportiva, em anexo) e de diversos cientistas (um exemplo em anexo). Foi por isso com algum desalento que vi a mesmo artigo reproduzido agora na vossa revista, e com destaque de capa. Tratando-se de um tema para o qual tantos procuram actualmente uma resposta eficaz e segura – a gestão saudável do seu peso – tomo a liberdade de salientar alguns aspectos do artigo em causa, na minha opinião menos bem esclarecidos.

1. Na capa é indicado que “afinal o exercí­cio não emagrece”. Na realidade, o exercí­cio fí­sico, praticado isoladamente (sem alterações alimentares) não é especialmente eficaz no emagrecimento rápido. Por essa razão, não é actualmente recomendado, de forma isolada, para o tratamento da obesidade por nenhuma organização ou orientação oficial. Ou seja, o pressuposto “para perder peso, vá ao ginásio” que, como se diz no artigo “todos ouvimos há anos”, é desajustado. Infelizmente, é precisamente esse pressuposto que sustenta a surpresa ou novidade (“afinal…”) implí­cita no tí­tulo de capa da VISíƒO. É importante por isso salientar que as recomendações actuais para perder peso incluem simultaneamente um aumento progressivo da actividade fí­sica e alguma restrição alimentar (de preferência não muito rí­gida), porque esta é a combinação que reconhecidamente oferece melhores resultados, a curto e especialmente a longo prazo, um aspecto muito importante e descurado no artigo. Aliás, uma das inúmeras vantagens do exercí­cio é precisamente ajudar a emagrecer (isto é, perder gordura) e não apenas perder peso, o que pode incluir substancial perda de massa muscular, algo comum em dietas mais agressivas.

2. Afirma-se no artigo que o exercí­cio faz aumentar o apetite, o que seria outra razão para a sua ineficácia. Infelizmente, esta afirmação também não corresponde í  verdade cientí­fica. Pelo contrário, os indicadores disponí­veis na literatura sugerem que, para a maioria das pessoas, o exercí­cio fí­sico regular contribui para normalizar o apetite, não estando associado a um aumento substancial da fome e consequente sobre-ingestão de alimentos muito calóricos, como é sugerido no artigo. Por exemplo, um estudo recentemente concluí­do na Faculdade de Motricidade Humana (a aguardar publicação na revista Health Psychology) concluiu que no final de um programa de controlo do peso, uma maior prática de actividade fí­sica estava associada a um melhor controlo alimentar (e maior perda de peso). O facto de poder verificar-se, em algumas pessoas, uma ingestão superior ao normal após o exercí­cio poderá estar mais relacionado com a ideia “porque fiz exercí­cio, posso comer mais” e menos com mecanismos fisiológicos que o provoquem. Igualmente, não está demonstrado que o exercí­cio leve a menor movimento fí­sico nas restantes horas do dia. Desta forma, afirmar que “mecanismos compensatórios” do exercí­cio são potentes e podem até causar aumento de peso (como se sugere na capa) é errado e induz uma ideia de inutilidade generalizada do exercí­cio que não contribui para a adequada gestão do peso dos leitores. Se algum aumento de peso se verificar com o exercí­cio fí­sico, este será provavelmente causado pelo aumento relativo da massa muscular (um aspecto benéfico) e não pelo aumento da massa gorda corporal.

3. Para além dos problemas referidos quanto aos efeitos do exercí­cio na regulação do apetite e do peso, o texto contraria também o conhecimento cientí­fico relativamente a aspectos de natureza psicológica e comportamental associados ao exercí­cio fí­sico. A prática de exercí­cio fí­sico é descrita na pág. 113 como uma actividade “obsessiva” e até “violenta”, que induz um grande desconforto fí­sico (como num “animal de lavoura”) e mental, apenas exercida pelo sentimento de obrigação ou para possibilitar uma alimentação com menos restrições (p.ex., para comer “um bolinho”). Por um lado, esta descrição não corresponde í  experiência de milhares de pessoas que mantém um estilo de vida fisicamente activo ao longo de muitos anos, retirando desta prática significado, prazer e sentimentos de competência e bem-estar, para além de inúmeros benefí­cios para a saúde. Como em qualquer actividade, o desconforto continuado leva tendencialmente ao seu abandono e o exercí­cio não é excepção, tal como acontece aliás com uma dieta monótona e desinteressante. Por outro lado, os investigadores nas ciências do comportamento sabem que quando a motivação para o exercí­cio é baseada sobretudo na obtenção de recompensas externas í  própria sessão de exercí­cio (tal como fazer exercí­cio apenas para controlar o peso, ou para poder comer “um bolinho” após a sessão), a probabilidade da motivação se manter no tempo é mais reduzida. Assim, o exercí­cio é muitas vezes menos eficaz do que se espera simplesmente porque nunca chega a ser integrado de forma consistente na rotina da pessoa – a sua prática é irregular ou esporádica e frequentemente descontinuada.

4. É também afirmado que “empurrar as pessoas para o exercí­cio” poderá contribuir para o problema da obesidade, uma afirmação passí­vel de ser compreendida pelo leitor comum como “o exercí­cio contribui para a obesidade”. Isto é completamente contrário í  evidência cientí­fica, que demonstra claramente que a falta da actividade fí­sica é um importante factor de risco para a obesidade. Inúmeros estudos com boas metodologias indicam que pessoas fisicamente activas são, em média, mais magras e apresentam menores taxas de obesidade que pessoas menos activas e mais sedentárias. É também bem aceite no meio cientí­fico que após a perda de peso (isto é, em pessoas que perderam peso e procuram mantê-lo reduzido), a prática regular de exercí­cio fí­sico tem um papel coadjuvante muito importante. Perder peso não é aliás o principal desafio no combate í  obesidade. Muitas pessoas o conseguem, normalmente recorrendo a dietas agressivas, pouco saudáveis e de efeito limitado no tempo. Manter um peso saudável ao longo da vida é o verdadeiro desafio e, para esse, um ní­vel de actividade fí­sica adequado é de extrema utilidade. Se a caminhar, a nadar, a andar de bicicleta, a jogar futebol, a fazer canoagem, a dançar, a andar de patins, ou no ginásio deve ficar ao gosto de cada um… Desde que seja regular e, se possí­vel, com intensidade suficiente para aumentar a temperatura do corpo e fazer o coração bater um pouco mais depressa do que em repouso, todas são úteis.

5. Quanto a “empurrar as pessoas para o ginásio”, é realmente uma estratégia pouco recomendável para incentivar mais pessoas a alterarem o seu comportamento, se for esse o objectivo. Poucas pessoas gostam de serem “empurradas”, pressionadas ou controladas. O princí­pio do “músculo do auto-controlo” referido no texto, que se “cansa” e deixa por isso de ser eficaz (levando ao abandono), aplicar-se-á sobretudo a iniciativas contrárias í  vontade própria de cada pessoa ou a actividades aborrecidas, desagradáveis, ou que causem sofrimento mas nas quais há que persistir. Infelizmente, existirão sempre algumas destas nas nossas vidas. Mas nenhum destes cenários deve ser associado í  prática de exercí­cio fí­sico e desporto. Pelo contrário, a evidência cientí­fica também demonstra que as actividades em que nos envolvemos com entusiasmo e iniciativa própria, que aumentam a nossa sensação de competência e vitalidade, e que promovem a interacção social positiva tendem a manter-se no tempo indefinidamente. Pode dizer-se que “se regulam a si próprias”, sem grande esforço. A prática de actividade fí­sica e desportiva pode e deve ser mais isto e não deve envolver sofrimento inusitado, tédio excessivo, ou desgaste psicológico repetido.

Enquanto o exercí­cio fí­sico for encarado como uma tarefa desagradável (mas necessária), como tantas outras a que nos prestamos ou somos forçados a aceitar, vão continuar a existir relatos como os do autor deste artigo e muitas outras pessoas que se sentem pressionadas a ter de o fazer. Umas conseguirão persistir durante algum tempo até que outra actividade mais interessante ou com maior capacidade de pressão no dia-a-dia a substitua (e estas não faltam nos dias de hoje). Outras pessoas, talvez em número superior, não chegarão sequer a passar da intenção í  prática e viverão provavelmente com algum sentimento de culpa por não estarem a fazer o que deviam. Em qualquer dos casos, o resultado será o mesmo. Perder-se-á, a longo prazo, a oportunidade de aproveitar uma actividade que, sendo barata e sem “efeitos secundários”, nos ajuda comprovadamente a sermos mais saudáveis e mais capazes fisicamente, a gostarmos mais do nosso corpo e a dele fazermos melhor uso e proveito (a qualquer peso), a dormirmos e racionarmos melhor, a sentirmos menos o efeito do stresse, a mantermos í  distância muitas doenças graves (como a depressão, a diabetes e alguns cancros), potencialmente a vivermos de forma mais plena. E a divertirmo-nos mais também! Mas apenas se assim escolhermos de forma totalmente voluntária, sem pressões excessivas e bem informados. Até porque existem muitas outras actividades que valem a pena…

Cruz Quebrada, 17 de Setembro de 2009

Pedro Teixeira
Investigador e Professor de Nutrição, Obesidade e Exercí­cio
Faculdade de Motricidade Humana – Universidade Técnica de Lisboa”

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5 comentários a “Afinal o exercí­cio fí­sico…”

  1. Dina says:

    Bom artigo. E o exercí­cio fí­sico emagrece, sem dúvida. Este ano, por imposições de horário, tenho de fazer uma caminhada de cerca de 2 Km três vezes por semana, a bom ritmo. Consequência: a roupa que estava lá para o fundo do roupeiro já me serve! Aliei este exercí­cio (muito fácil, por sinal) a uma redução alimentar (menos quantidade, porque a variedade é a mesma, e como nunca gostei de doces, a coisa vai indo), e o resultado vai-se vendo. Enfim, a Visão já devia ter aprendido que com americanices é preciso ter muito cuidado…

  2. catarina says:

    Esse artigo é ridí­culo. Basicamente o “jornalista” da Time ficava muito admirado porque ia ao ginásio todos os dias e não conseguia perder peso, ah! um pormenor, comia um mufim de mirtilos todos os dias “para compensar” o esforço do exercí­cio… sssss

  3. joão says:

    pedro. é “táctica” e não “tática”

    catarina, o que é “mufim”? não encontro no dicionário.

    de resto, concordo com o q dizem

  4. catarina says:

    muffin (e não mufim) = queque

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