Trabalho e descanso

Publicado em , por Pedro Couto e Santos

O ano passado marquei as minhas férias de uma maneira um bocado avacalhada. O resultado foi que cheguei ao fim de Dezembro sem ter férias há vários meses, com o miolo feito em papa.

Este ano tive mais calma e cuidado ao planear as férias e espaçar os perí­odos para poder ter algum descanso regular.

Trabalhar sem parar, sem ter férias é uma imbecilidade inqualificável.

Fi-lo durante anos—aliás, nem fins de semana gozava—e aprendi essa importantí­ssima regra: não parar regularmente para descansar, pensar noutras coisas ou mesmo pensar no trabalho mas com um certo distanciamento é simplesmente contra-producente.

Dentro deste tipo de prática contam-se outras, como a já referida inexistência de fim de semana e ainda a famosa directa. Todas estas práticas reduzem a produtividade, aumentam a hipótese de erro humano e desmotivam as pessoas.

Não é portanto de espantar que sejam comuns no nosso paí­s que adora aliar ideias parvas a falta de produtividade.

Assim como já trabalhei anos sem férias e sem fins de semana, também já fiz muitas directas a trabalhar.

Fazer directas não é nada de especial: a única coisa que é preciso é não adormecer. Mas fazer directas a trabalhar requer… bom, que se trabalhe.

O trabalho produzido durante directas é frequentemente de má qualidade e raras são as vezes em que o resultado justifica o esforço.

Já passei noites seguidas acordado a fazer renders 3D (numa altura em que ainda achava isso interessante) e no fim tudo foi inútil. Acabei por ir apresentar o trabalho ao cliente e ele afinal não tinha assim tanta pressa e queria umas modificações (querem sempre).

Esse trabalho, especificamente, foi feito para uma account de uma agência. Este tipo de pessoas—comerciais, accounts, gestores de produto—são os primeiros a exigir esforços extra e a colocar nos prazos uma importância que, no fim, eles não têm.

Nunca têm.

Já vi coisas feitas no prazo e coisas feitas tão absurdamente fora do prazo que mais pareciam anomalias espácio-temporais. Mas o que nunca vi foi o mundo acabar, empresas falirem, nem sequer pessoas serem despedidas.

Já vi também foi muitas directas í  “menino”. Tudo homens de pelo no peito, que ficam ali a noite toda a trabalhar, a dar-lhe! Directa! Depois, quando o Sol nasce e o trabalho não só não está acabado como está cheio de problemas ou falhas, vão para casa dormir o resto do dia.

Isto não é uma directa, isto é só adiar a hora de ir para a cama. Se não ficarem acordados, pelo menos, 48 horas, não me venham com choradinhos.

Mas se ficaram, então sou quase capaz de apostar que não valeu a pena.

Acho que estas práticas servem mais para bonding (geralmente male, porque muitas vezes só homens são idiotas o suficiente para fazer directas), do que para adiantar trabalho. Combina-se uma directa, encomenda-se pizza e compra-se cerveja e o pessoal está ali a noite toda a conviver. Aproveita-se para se fugir da famí­lia, contar anedotas porcas e fazer concursos de arrotos.

Em contraste, o descanso é fundamental para manter uma pessoa em boa forma. O repouso é importantí­ssimo para atletas; não sou especialista, mas diria que faz parte do treino. Treinar sem parar acaba por dar em cansaço e lesões (e.g., jogadores do Benfica) e portanto o treino fí­sico deve ser equilibrado com um descanso adequado.

O mesmo se aplica a qualquer esforço humano—a menos que se seja movido a drogas, como o Keith Richards. É por isso que convém dormir bem todas as noites, convém ter um fim de semana para limpar a cabeça e é conveniente marcar férias a intervalos regulares.

Descansar afina o cérebro, oleia as ideias. Muitas vezes, depois de uns dias de descanso, voltamos mais motivados ao trabalho. Descansar reduz o stress e ajuda-nos a ver as coisas de uma distância maior; torna-se mais fácil perceber quais os problemas importantes e quais os desprezí­veis.

Às vezes, coisas que nos moí­am a cabeça semanas a fio tornam-se problemas insignificantes quando os vemos ao longe, deitadinhos na areia da Caparica a ouvir as ondas bater no pontão. Shuá…

E depois, claro, temos filhos e tudo o que eu acabei de escrever perde todo e qualquer significado. O cansaço que nos parecia insuportável na semana passada, parece-nos agora risí­vel, comparado com o que aumentou entretanto e certamente que acharemos que estavamos a ser uns mariquinhas, daqui a um mês quando tudo tiver quintuplicado.

Sabiam que os miúdos não param de correr? Quer dizer, páram, mas é quando querem saltar.

Como? Como é possí­vel que não se cansem? Pois se eu estou meio morto! Capaz de adormecer de pé, ao Sol, equanto me batem com um bacalhau seco nas costas! Como pode ele continuar a correr e a saltar!?

A ideia de que tinha marcado férias com pés e cabeça este ano perde quase completamente o sentido no que ao tempo de descanso diz respeito.

Felizmente, as férias têm outras vantagens e, embora tenham uma relação directa com o trabalho, não se resumem a uma pausa neste. Felizmente, estar com a minha mulher e com o meu filho, por inacreditavelmente cansativo que possa ser, é também retemperador.

Não consigo parar de pensar no trabalho, até porque estou a meio de um projecto absorvente e todos os dias tenho obtido notí­cias do dito e respondido a mail quando há dúvidas sobre o que deixei preparado para os programadores, da minha parte. Mas estava-me a fazer falta passar umas horas a ajudar o Tiago saltar as ondas na Cova do Vapor e a deixar que o tal shuá ajude a dissipar aquela dúvida incessante sobre que tipo de munição levar na segunda-feira para o escritório…

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3 comentários a “Trabalho e descanso”

  1. Não sei se concordo contigo nessa coisa da ineficácia das directas. E já tenho algumas no bucho (faço parte do tal grupo que não existe, de mulheres que fazem directas).

    Algumas correram mal, sim senhor. Mas houve outras que correram bem. E houve outras que, não sendo obrigatórias, me mantinham no SAPO porque um dos membros da equipa tinha perdido o último barco e já não conseguia ir a casa. No perí­odo que antecedeu o lançamento dos novos Blogs do SAPO fizemos algumas :)

    E os prazos são importantes. Quanto mais não seja para nós, equipa, podermos dizer: fizemos, a tempo e horas.

    Ninguém liga nenhuma, é um facto e, lamentavelmente, também nunca vi ninguém ser despedido (ou sequer repreendido) por falhar sistematicamente prazos, mas para mim, se há um prazo com que me atravesso, é para cumprir :)

    • Falo de uma maneira geral e quando se generaliza há sempre alguém que chega e diz “ah, comigo não é assim”.

      O que eu sei é que já vi muita directa ser feita para nada e sei que, na maioria dos casos, é o que acontece.

      Sim, sei que há umas que valem e pena, também já fiz dessas, mas continuam a cheirar-me sempre a mau planeamento.

      E tu já tens mais anos que eu… ainda achas que os prazos são importantes? Há tantas coisas mais importantes.

      Mas cumprir é importante, ser cumpridor é uma qualidade que aprecio. Mas também é importante saber o que estás a cumprir. Se e algo teu que sabes que tem que ser assim… óptimo. Mas também acontece ter que se cumprir desí­gnios de idiotas que depois nos entram pela sala a rir e a dizer: “nem vão acreditar, afinal não é preciso”.

  2. Acho que se trabalha melhor de manhã se acordamos pelas 7h / 8h, do que passar uma noite toda com os pés pra cova cheios de sono a tentar fazer algo que não conseguimos fazer simplesmente houve dias que correram mal e originou um atraso. A gestão de risco não foi inventada para isso? :-)

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