Como ler este blog (manual prático)
Publicado em , por Pedro Couto e Santos
Apercebi-me, por diversas conversas que tive hoje de manhã com pessoas que leram o post que escrevi a meio da noite, que nem toda a gente ainda está inteiramente informada sobre o que se passa neste blog.
Este blog não é igual í minha vida.
É uma colecção de fragmentos; alguns são positivos e alguns são negativos. Fruto da maneira como as coisas funcionam dentro da cabeça da maioria das pessoas, a frustração requer maior escape do que a satisfação e é por isso que, muitas vezes, só sai um post quando essa necessidade surge.
O facto de lerem aqui sobre birras do Tiago não significa que o Tiago não faça nada senão birras. Não significa que eu ou a Dee estejamos desesperados ou que não tenhamos a mínima ideia de como lidar com as birras do Tiago.
O facto de termos decidido, ontem í noite, depois de pouco mais de uma semana, voltar a por as grades na cama dele tem a ver com vários factores e não com alguma recusa da nossa parte em lidar com a situação de uma forma mais pedagógica.
Nós sabemos que o Tiago terá que aprender, com treino e insistência que deve ficar na cama durante a noite; nomeadamente por ser perigoso andar pela casa sozinho í s escuras. Mas ontem í noite não era a altura ideal para começar esse treino pelo simples facto de que estavamos completamente de rastos. Cansados, compreendem?
O Tiago aprendeu a comer sozinho desde muito cedo, com utensílios. O Tiago bebe sozinho por copos, limpa as suas próprias mãos no guardanapo e nunca começa a comer sem que um de nós lhe ponha o babete que ele próprio vai buscar e nos entrega.
O Tiago sobe para um banco, pega na escova de dentes, molha-a, deixa-me por-lhe pasta e lava os próprios dentes; depois bochecha e cospe. Lava a cara e lava as mãos—e lava-as bem: esfrega as palmas, as costas das mãos, entre os dedos e até tenta escovar as unhas, embora lhe falte alguma destreza.
O Tiago lava o próprio cabelo com shampoo e esfrega o corpo com a esponja—claro que eu ajudo para ficar tudo bem lavado, mas ele poderia tomar banho praticamente sozinho e não ficar muito mal.
O Tiago despe-se sozinho e por vontade dele vestir-se-ia sozinho, embora ainda não consiga. O Tiago arruma todos os seus brinquedos, ao fim do dia, sozinho—aliás, insiste que seja só ele a arrumá-los—bastando para isso que lhe digamos para o fazer.
Há mais de dois anos que—praticamente sem falha—o Tiago vai para a cama por volta das nove da noite. Depois do banho ajuda a por creme em si próprio, ajuda a por a fralda (que ainda usa, embora já vá começando a usar a sanita ocasionalmente), ajuda até a vestir o pijama. Ouve uma história e fica ao meu colo a ouvir música durante dez minutos antes de se ir deitar, onde fica, quase sempre, sem reclamar.
O Tiago é um miúdo fantástico. É extremamente carinhoso e amigável; abraça-se a nós, dá-nos beijos, fica preocupado se nos magoamos. Adora um punhado de bonecos que tem, um desde que nasceu e a quem chama “bebé” e quase todos os seus brinquedos dão beijinhos uns nos outros.
O nosso dia-a-dia com o Tiago é feliz. Divertimo-nos com ele, brincamos, cantamos, dançamos, ouvimos música, vemos desenhos animados. Às vezes ele vê-me jogar na PS3—que já começou a experimentar—í s vezes eu vejo-o brincar com os comboios.
O Tiago adora correr e saltar, andar no escorrega, trepar, pendurar-se e balouçar-se pelos braços. Adora brincar com uma pista de carros e outra de comboios que lhe comprámos na Imaginarium (sim, eu sei, há mais barato na Toys’r’us—nota mental) e gosta do Pocoyo, do Rato Mickey e dos Little Einsteins.
O Tiago gosta de música e gosta de dançar; gosta de brincar com o piano, os tambores, a bateria, as guitarras, o baixo e toda a montanha de instrumentos musicais que temos lá para casa e que mal sabemos tocar… talvez ele venha a aprender a tocá-los melhor.
Mas sim, o Tiago faz birras. Às vezes são birras más, na rua, nos transportes, onde é difícil lidar com ele porque não o podemos deixar ficar até curar a birra; porque temos que seguir caminho ou cumprir alguma tarefa e ele atira-se para o chão e faz uma resistência passiva que—honestamente—acho admirável: o corpo fica mole, os braços levantados; torna-se impossível pegar-lhe ao colo, é preciso carregá-lo como uma saca de batatas.
Há alturas em que são birrinhas, que lhe passam de depressa e que têm mais a ver com estar cansado do que outra coisa.
E há outras alturas ainda em que faz grandes birras mas está em casa e sem sorte. Sem sorte porque os paizinhos não lhe fazem as vontades. Porque se não se percebe a razão da birra, se não está desconfortável ou em perigo não tem outro remédio senão lidar com a birra até lhe passar que nós temos mais que fazer.
É impossível falar com o Tiago quando ele entra neste modo. Não ouve, não quer nada e nem se deixa tocar. Fica, portanto, geralmente deitado no chão, até lhe passar a telha.
Geralmente, depois, vem ter com um de nós e encosta-se í procura de colo. E fica tudo bem. E é mesmo assim, porque ele é assim, porque os miúdos não são todos iguais e talvez o vosso não faça birras—talvez ainda não tenha começado… Talvez os vossos pais vos digam que vocês não faziam birras—talvez não se lembrem…
Mas se calhar há mesmo os que as não fazem. Eu, tanto quanto me é dito por pais e avós, não fazia. A minha irmã, fazia-as fortes e feias. E a casa era a mesma, os pais os mesmos, a educação, igual.
Fiquem então a saber como ler este blog: como uma colecção de fragmentos da vida de várias pessoas. Não é toda a verdade e não é, certamente, ponto de partida para tirarem conclusões sobre a minha vida, o meu filho ou a educação que lhe damos.
Leiam descontraidamente. E não se preocupem… ele será treinado na defesa contra zombies e isso sim, é fulcral.