O Albatroz

Publicado em , por Pedro Couto e Santos

Aqui vai uma história que escrevi há muitos anos.

O Albatroz

– Diz lá o que queres. – Disse Riki num tom apressado – É que tenho o Albatroz estacionado em terceira fila, ainda apanho uma multa!

Era mesmo verdade, o Albatroz estava muito mal estacionado e a polí­cia anti-democrática rondava muitas vezes aquela área.

– Preciso de saber que número calças, para te poder comprar uns chinelos de peluche. – Respondeu a Sandrine – Não é o que queres para os anos?

Era realmente o que Riki queria para os anos.

Aconchegou a estola cor de rosa í  volta da cintura e respondeu:

– Sandrine, podias ter telefonado para o teleférico, ao menos escusava de ter vindo í  baixa, estacionar assim o Albatroz ao deus-dará! Mas pronto… como é por causa de um presente para mim, não te espanco com a corrente de bicos.

– Obrigado, Riki – respondeu Sandrine, nitidamente feliz. – Então diz-me lá, que número calças?

– Catorze, calço catorze em chinelos de peluche. Mas vê lá se são fúchsia, sabes perfeitamente que odeio verde-alface e ouvi-te falar sobre verde-alface com a minha mãe ao telefone, um destes dias!

– Descansa, falávamos apenas dos collants de plástico brilhante que eu queria comprar.

– Bom, está bem. Tenho que ir, ainda me apreendem o Albatroz.

Despediram-se com um sorriso e Riki foi montar o Albatroz, que se encontrava perturbado. Ao levantarem voo, Riki notou que o Albatroz não se sentia bem, mas atribuiu tudo a tê-lo deixado em terceira fila e, por isso, não lhe perguntou o que se passava.

O dia seguinte foi de festa. Riki fazia cento e quarenta e dois anos e estava prestes a atingir a maioridade (só lhe faltavam dois anos). Ofereceram-lhe uns lindos chinelos de peluche fúchsia, tal como ele queria, e mais um chapéu í  cowboy de couro azul, com plumas vermelhas esvoaçantes… ele adorou.

Quando a festa acalmou e os Rodrigues se foram embora (eram os que comiam mais e faziam muito barulho, porque gostavam de cantar), Riki sentou-se com Sandrine e conversaram sobre várias coisas: estavam a pensar casar-se, agora que já tinham juntado todos os cupões necessários para poder requisitar um filho e que tinham dinheiro suficiente para o vestir com belas roupagens cor de néon. No meio da conversa, Riki lembrou-se de referir que achara o Albatroz um pouco indisposto no dia anterior, mas que não ligara pois sabia que o Albatroz não gostava de ficar em terceira fila.

– Vou lá levar-lhe um bocadinho de bolo de cebola! – disse Sandrine, pondo-se de pé num salto.

Sandrine era muito enérgica.

– Fazes bem. E eu vou contigo, aproveito para o lavar. Ele gosta que o lavem.

E foram os dois até í  garagem tratar do Albatroz.

Qual não foi o espanto de ambos quando verificaram que o Albatroz tinha fugido.

– Mas… assim, sem dizer água-vai?! – exclamou Riki

– Tem calma, Riki, ele há-de estar para aí­.

Durante todo o dia procuraram o Albatroz. Poderiam tê-lo deixado ir, mas Riki estava muito ligado a ele, tinha-lhe sido oferecido pelo Governo Federal por serviços prestados ao gabinete de contagem de dedos dos pés e não era um Albatroz qualquer: era grande e azul cobalto, com um bico muito aerodinâmico. Mas não havia nada a fazer, naquele dia não conseguiam encontrar o Albatroz e já estava a ficar escuro.

Doze dias e doze noites se passaram e nada. O Albatroz não aparecia.

– Nem ao menos um telegrama! – Riki, desesperava – podia ao menos escrever, o safado! Tantos anos de cuidados para com ele, de atenção, de carinho e boa comida… e agora abandona-me assim!

Sandrine não conseguia animar o seu noivo e mesmo ela começava já a sentir saudades do simpático Albatroz.

De repente, a Mãe de Riki, Senhora Blí¶omfaghstí rrin, entrou na sala a gritar desesperadamente:

– Riiiiiki! Riki! Vem depressa, encontrámos o Albatroz!

Riki não podia acreditar, o seu Albatroz!

Correu, seguindo a mãe, com Sandrine logo atrás.

O Albatroz estava na capoeira das Avestruzes, aninhado a um canto, sobre um grande monte de palha.

Foi então que descobriram a verdade. Era uma fêmea! O seu Albatroz era na verdade uma Albatroz e tinha ido para a capoeira das Avestruzes refugiar-se, pois era o melhor sí­tio para por os seus ovos.

– E vocês que não me disseram nada! – disse, sorrindo, Riki para as Avestruzes.

É claro que não, as Avestruzes não falam.

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7 comentários a “O Albatroz”

  1. Sota says:

    LOL ! Tá engraçado, especialmente pela forma como acaba… Parabéns.

  2. Celso says:

    Estas coisas batem-te com ou sem receita médica?

  3. Genial! :P

    Faz-me lembrar as histórias que eu e um colega inventávamos para nos entretermos em algumas aulas de filosofia on 10º ano :P

  4. RiC_aRd0_ says:

    Ahahahahah! Que espectáculo! :D

    Parti-me a rir, está muito boa!

  5. Paula F. says:

    Tem muito de Boris Vian e, também por essa razão, adorei.

  6. ines says:

    ahahah gostei muito. no meio de uma história com tanto realismo a parte “…as Avestruzes não falam” está iispectacular! :D ahaha

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