Publicado em , por Pedro Couto e Santos
Era uma vez um senhor chamado Manoj Nelliyattu Shyamalan que, depois de uma ou duas tentativas falhadas, pegou em qualquer coisa como 40 milhões de dólares e fez um filme chamado “The sixth sense”.
Este filme, com um tema sobrenatural e uma reviravolta no final rendeu algo como 700 milhões de dólares nas bilheteiras. Compreensivelmente, os senhores dos estúdios bateram muitas palminhas.
Daí para frente, a coisa começou a descambar. Toda a gente queria ver o Sixth sense outra vez, mas o rapaz queria fazer outros filmes. Começou a fazer cada vez menos dinheiro e os senhores dos estúdios deixaram mesmo de lhe achar piada.
Nos Estados Unidos, como se sabe, bom cinema é cinema que faz dinheiro. Lendo (praticamente) qualquer crítica americana cedo se percebe como são equacionadas as coisas: este filme foi péssimo, fez apenas 2 milhões no primeiro fim de semana; ou: este filme é fenomenal, vejam bem que até já facturou 200 milhões.
Só depois das contas comerciais é que, geralmente, vem a apreciação cinéfila da coisa. E, por esta bitola, Shyamalan é, hoje em dia, um merdas.
Esta é a perspectiva da indústria. E quanto í perspectiva do público é algo como: epá, mas o Sixth sense é um filme sobrenatural com uma reviravolta… porque é que os outros filmes todos dele não são iguais? Que seca!
Posto tudo isto, devo dizer que gosto muito de todos os filmes que vi do M. Night Shyamalan, sem excepção, embora com graus de variação. Gostei muito do Sixth sense eo do Unbreakable, gostei mesmo muito do Signs e do The Village e gostei bastante do Lady in the water.
Para mim é: um filme de fantasmas, um filme de super-heróis, um filme de extra-terrestres, uma espécie de lenda infantil e um conto de fadas. Em traços muito largos, é assim que vejo, respectivamente, cada um dos filmes que citei acima.
Não acho o Shyamalan nenhum génio, até porque é coisa que não gosto de fazer, nem de ver outros fazerem: idolatrar fulano ou sicrano. Isso tolda a visão.
Mas também não me deixo levar pela onda negativista de que todos os filmes do Shyamalan são, sucessivamente, piores que o anterior.
Este fim de semana, fomos ver o mais recente, The happening. Possíveis spoilers daqui para a frente, leiam por vossa conta e risco.
Tirando o Mark Wahlberg, que não seria a minha escolha como actor para filme nenhum, tirando o Boogie Nights, e que creio que estraga um pouco as poucas cenas de diálogo, o filme é clássico.
Foi um filme que me pareceu ter meia hora – apesar de ter hora e meia – e estive sempre sentado na beira da cadeira embora praticamente não aconteça nada o filme inteiro. É a ideia do que se passa que me pareceu fascinante e não o que efectivamente acontece.
O filme quase não tem diálogos, como já referi e a história é quase toda contada pela realização do Shyamalan que, admita-se, é o seu ponto forte. Os poucos diálogos que tem são um bocadinho insípidos, mas não interessa, porque esta é uma história de pessoas que perdem completamente o poder sobre si próprias e não seria discursos heróicos ou grandes conversas filosóficas que os ajudariam.
São pessoas vulgares.
No filme, as plantas libertam uma neurotoxina que faz as pessoas perderem o instinto de auto-preservação, acabando por cometer suicídio. Os críticos andam todos com o pipi aos saltos, delirantes com a oportunidade de gozar com esta ideia a que chamam de eco-thriller. As plantas atacam a humanidade, como vingança pela poluição, que ideia estúpida.
Não faz sentido, é pateta, dizem.
Então e aquele filme, de 1963, em que súbita e inexplicavelmente, aves começam a atacar os seres humanos? Que patetice.
Ah, mas esse é do Hitchcock e como idolatramos o Hitchcock, ai de nós criticar um filme sobre pássaros atacando pessoas. Plantas atacando pessoas é que é pateta.f
O Happening não foi, para mim, nenhum filme ecológico cheio de mensagens de protecção do ambiente. É uma ideia, baseada numa possibilidade… um “e se…?”. E se por acaso um dia, as plantas que nos rodeiam se tornassem nocivas para nós? Como fugir? Para onde?
Não sei, nem me interessa, se o Shyamalan tem efectivamente pretensões ecológicas. Mas é essa a beleza da arte e do entretenimento; dos livros e da música e do cinema: eu não tenho que seguir a intenção do autor, não tenho que compreender a motivação dos músicos, não preciso de compreender letras de canções ou conhecer profundamente o objectivo do realizador de um filme. Sou eu que decido como as coisas me fazem sentir e sou eu que estou a fruir a obra.
Podia agora entrar aqui numa discussão estética daquelas que não vão a lado nenhum, sobre a obra e se esta tem um valor intríseco ou se o seu valor advém da fruição. E sendo a fruição individual, como podemos alguma vez definir o valor de uma obra?
Por isso é que o povo, muito pragmático, diz que gostos não se discutem.
The Happening é um filme simples, muito bem filmado, com uma ou duas cenas que eu teria removido, mas nada de horrivelmente desfigurante. Lamento se, pelo insucesso comercial dos seus filmes e pela incompreensão do público da sua teimosia de não fazer remakes consecutivos do Sixth sense, o Shyamalan deixe de fazer filmes ou, pior ainda, comece a tentar fazer filmes que agradem ao mercado. Eu gosto muito dos filmes dele tal como são.
Além de que a cena dos trolhas a espetar-se no passeio é fenomenal!
Thanks pela review. Deixei de ler quando alertaste para os spoilers, mas fiquei com vontade de o ver… e ainda conseguiste fazer com que questionasse a minha decisão de nem sequer ver o lady in the water e o the village.
Pedro,
fui ontem ver o filme…
Confesso que fiquei um pouco desapontado. Esperava mais…
A história é interessante, mas pouco desenvolvida…
Do ponto de vista técnico, o filme está cheio de “gafes”, sendo que a mais vulgar, é a de que são raras as cenas em que o microfone não apareça pendurado por cima dos actores.
Tem sido uma galhofa para os críticos este filme, mas eu, apesar do filme ser “epicamente mau” para muitos, fui ver e, como pensava, não concordei com a crítica. Eu saí do cinema sem compreender porque é que a ideia das plantas libertarem neurotoxinas foi considerada tão ridícula. É que de todas as coisas “do outro mundo” que já vi no cinema, as plantas libertarem toxinas não entra sequer no top 10. Dito isto, eu acho que a ideia das neurotoxinas nos tirarem o instinto de auto-preservação resulta em cenas de enorme impacto.
Eu não acho que Shyamalan tivesse grandes pretensões com este filme, ele propí´s-se fazer um filme (“I wanted it to be a fantastic, fun B-movie”) que parte do “e se a natureza se virasse contra nós?” e na minha opinião não falhou. Não é o meu favorito dele, mas não me perdeu como fã.
Se tivesse que dizer-te o meu filme favorito do Shyamalan provavelmente será o Lady In the Water, o seu maior flop, por isso …
André, não sei se gostarás ou não. Aliás, tenho sempre dificuldade em aconselhar filmes, mas eu achei muito bom. Nenhuma obra prima, entenda-se, mas um filme em que não dou pelo tempo passar, para mim, é um bom filme.
O Lady in the Water é muito giro, mas é um conto de fadas e nem toda a gente vai nisso, quanto ao Village é sensacional e acho que o que frustrou as pessoas foi estarem í espera de “X” e receberem “Y”.
Carlos: a história é desenvolvida no ponto de vista daquelas pessoas apanhadas naquela situação. Acredito que, como geek, quisesses saber mais sobre o lado científico ;-). Mas não é esse tipo de filme.
Rita, é como dizes… para inverosímil já vi muita porcaria. Este é um filme que me deu gozo ver. A cena do John Leguizamo sentado na estrada, com aquele meio segundo em que te perguntas se ele estará imune ou não é um bom exemplo desse gozo.