A besta

Publicado em , por Pedro Couto e Santos

Depois de meses e meses a aturar uma vizinha de cima completamente histérica, que grita com o marido e grita com as filhas de manhã, í  noite e de madrugada, resolvi que era altura de fazer alguma coisa.

A cena passou-se na segunda-feira passada. Depois de termos decorado a sala para o aniversário do Tiago no dia seguinte, fomo-nos deitar, perto da meia-noite. Não demorou muito para que se começasse a ouvir aquela voz que já se tornou para nós insuportável.

Ouve-se quase sempre apenas a mulher. Raras vezes ouvimos a voz do seu suposto interlocutor – ela domina amplamente, em termos de volume.

O tom foi subindo, o tempo passando e nós sem conseguir dormir. Por volta das vinte para a uma da manhã já se percebiam as palavras: “se quer dinheiro me pede, não tira da minha bolsa”, “você tá mentindo, não mente p’ra mim!”

Quase í  uma, qual velhinha, peguei no meu bastão de bambu e bati repetidas vezes no tecto, sem qualquer efeito. Voltei a deitar-me, mas estava a fervilhar. Não sei como é que aquela famí­lia aguenta aquela mulher – eu já a tinha empurrado da janela do nono andar abaixo, como quem não quer a coisa.

Os gritos continuaram até passar da uma, sempre acompanhados de passos de um lado para o outro da casa, daqueles que é preciso estar a fincar os pés no chão para ecoar daquela maneira. Ocasionalmente batia uma porta ou era arrastada uma cadeira.

Qualquer coisa no meu cérebro fundiu; peguei na chave e saí­ porta fora. Enquanto subia a escada, a senhora gritava, ouvindo-se no prédio inteiro: “eu não tou gritando! eu não tou gritando!”.

Cheguei lá acima e bati na porta com alguma violência (justificada, parece-me). Nem dois segundos passaram sem que tivesse ouvido praticamente todos os insultos possí­veis de formular usando apenas a lí­ngua portuguesa e um sotaque sul-americano. A porta nunca chegou a abrir-se e depois de me ter sido insultada a mãe e sugeridas práticas sodomitas a senhora lá se justificou: “não vê que eu estou nervosa?!”

Bom, foi isso que ela disse ou “Não vê que eu estou nervosa, seu cabrão!”, algo nessas linhas.

Ah bom! Está nervosa! Pois claro… quem sou eu para estar incomodado com a gritaria diária da senhora, das seis í s duas da manhã se ela está, evidentemente, nervosa? Que falta de respeito a minha.

Voltei para baixo sem abrir a boca. Confesso que a coisa decorreu precisamente como eu esperava. Aquela gente é ralé digna da favela e não compreendo como estão a viver num bairro residencial pacato de Almada. Só não esperava que lhe faltasse a coragem para abrir a porta.

Na altura devia ter dito qualquer coisa de volta, provavelmente, mas a verdade é nem consegui reagir. Passados alguns minutos a tipa lá se acalmou e ouvi-a abrir a janela da varanda, provavelmente para ir apanhar ar a ver se lhe passavam os nervos.

No dia seguinte as coisas estiveram calmas, mas na quarta-feira de manhã acordei novamente í s sete com aquela voz nojenta aos gritos. Termina todas as frases com um “tá?” ou um “viu?” e, pelos vistos, vive na ilusão de que não grita, apesar de se ouvir na escada toda.

Ontem foi dia de reunião de condomí­nio onde a Dee foi, enquanto eu dava banho ao Tiago e, ao que parece, toda a gente se queixa dos nossos vizinhos favoritos: as duas gémeas adolescentes só fazem porcaria, a sua doce mãezinha é uma besta gritadora e toda a famí­lia parece gostar de atirar lixo pela janela. E por lixo não estamos a falar de sacudir uma toalha de mesa: são mesmo sacos de lixo que são lançados pela janela.

Elegante.

Aconselharam-me, há tempos, a ir lá acima falar com a senhora, educadamente. Para não criar imediatamente conflitos, tentar resolver a coisa diplomaticamente. Já fui. Segue-se a PSP.

Pode ser que da próxima vez que grite “filho da puta”, através da porta, esteja um polí­cia do outro lado. Acho que os polí­cias gostam í  brava de ser chamados nomes.

[tags]vizinhos, barulho[/tags]

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17 comentários a “A besta”

  1. Joao says:

    Quando comento estas coisas da forma que me dá vontade de comentar dizem que sou fascista por isso fico calado.

  2. Nmerdas says:

    Eu nunca tinha lá ido expor-me. Nestas situações é a polí­cia que tem de actuar,… “viu”!

  3. Macaco says:

    Mas compreendes a tentativa de apaziguar as coisas sem estar a chamar a polí­cia… enfim, é uma certa tentativa de ser cí­vico e não partir para a batalha campal.

  4. Susana says:

    Pois… o problema é que a primeira vez que se faz queixa í  polí­cia, eles perguntam se já lá fomos e aconselham precisamente a “ser cí­vico”. Quando vivia com os meus pais, tinha dois adolescentes no andar de baixo que me tiravam do sério com as suas experiências musicais em décibeis a rondar o que se espera de um concerto num estádio. Mas sempre que lhes tocava í  campaí­nha (se a ouviam o que não acontecia sempre), pediam desculpa e desligavam de imediato ou baixavam o som.
    Agora tenho um apartamento alugado a sul-americanos de sotaque (lol) e são duas alminhas pací­ficas. A mulher esta grávida e trabalha os dias inteiros. O homem tem dois empregos (é raro o dia que chega a casa antes das 2 da manhã). Não optaram pela prática comum de encher a casa de gente para partilhar despesas. Aquela casa é um verdadeiro brinco de limpeza e sossego (nem têm “estereofonia” sequer, lol). E não é que dois vizinhos (num condomí­nio de 40 fracções) andam a ver se “fazem a cama” aos brasileiros?
    Queixam-se de barulho, de zaragatas, de pancadaria, de ofensas verbais… exactamente o que o meu marido se queixava quando la vivia em solteiro.
    Já avisei os inquilinos “esqueçam a cortesia. Quando vos vierem bater í  porta, mandem os vizinhos chamar a policia para se queixarem. E quando se sentirem incomodados pelas bestas do andar de cima, chamem a polí­cia e façam a vossa queixa”.

    Complica-me com os nervos porque apesar dos meus medos iniciais, são duas pessoas irrepreensí­veis na questão das regras da convivência social, já para não falar de dois inquilinos cumpridores…

    O problema é que nem sempre separamos o trigo do joio. Mas estamos tão fartos de joio que corremos o risco de parecer fascistas, lol

    Boa sorte aí­ cara!

  5. Macaco says:

    Curiosamente, os senhorios dos meus vizinhos de cima também estão convencidos que têm ali pessoas calmas e pací­ficas, educadas e simpáticas.

    Talvez o sejam na presença do senhorio. A verdade que é que aquela casa é um inferno, a gritaria não pára, excepto quando há forró e aí­ é música até í s tantas, churrasco na varanda e várias pessoas a dançar de tamancos que estremece o prédio inteiro.

  6. Susana says:

    Pois… mas no meu caso é curioso que as queixas que 2 pessoas fazem dos meus inquilinos já o meu marido fazia dos que moram exactamente por cima… é coincidência a mais, não?
    Também não temos varanda. Já a pessoa que se queixa deles adora fazer sardinhadas mesmo por baixo de onde eles estendem a roupa. Deve ser tão bom vestir uma t-shirt aromatizada de sardinha…

  7. Isa says:

    troco por um vizinho do lado que tem um cão enorme e que ladra sem parar quando o dono não esta em casa, o que é quase sempre. AU AU AU AU AU AU de manhã até í s tantas, e nem pensar em ficar em casa durante o dia… é de dar em doido…

  8. Macaco says:

    Ah … mas eu também tenho um vizinho com um cão que ladra o tempo todo!

  9. Joe-Fagundes says:

    Depois de ler isto tudo só digo: Ainda bem que moro numa casa, não há cá vizinhos barulhentos, cães que não se calam ou outras fontes de barulho, além de ter muito mais espaço e ter uma maior sensação de privacidade.

  10. morgy says:

    mas esses cromos não se iam mudar caraças????

  11. Macaco says:

    Pois, o homem disse que sim, que iam. Mas quem é que ainda aguenta? É que isto passa-se todos os dias.

  12. A MIuda da 4L says:

    eu moro num bairro tipicamente lisboeta, com direito a sardinha assadas no passeio assim que começa o verão, com uma população idosa e outra mais nova, perto de uma faculdade. quando vim para aqui morar esperei de tudo mas nunca me aconteceu nada parecido… até ter mudado para uma outra casa uma rua abaixo.

    desde o vizinho da frente embirrar comigo por estender roupa as dez da noite ao vizinho debaixo estar a um passo de eu chamar o instituto de protecção í  criança…

    Às vezes começo a achar que ir viver para o subúrbio de Lisboa onde vivi até há uns anos é capaz de não ser má ideia!

    boa sorte!

  13. Ana Nihil says:

    pois também pensava que já tinham ido de vela,mas depois lembrei-me que não vi nenhum post sobre uma bela de uma festa a comemorar a ocasião…

    posso fazer uma sugestão, é só chato para vocês também porque também devem ouvir…é pena, mas fita cola na campainha da porta í s 3/4 da manhã uma série de noites seguidas era capaz de lhes fazer bem, nada como terem de se levantar para irem í  campainha da rua…

    detesto meter toda a gente no mesmo saco, as pessoas é caso a caso, mas começa-me a tirar do sério o facto da gaja de cima estar sempre a aspirar e quando digo sempre, é mesmo sempre, têm uma vida estúpida não fazem nada de nada porque ela basicamente é uma enjoada de primeira, e obcecada com a limpeza, ela sai de casa e o desgraçado finalmente pode ligar a aparelhagem, porque quando ela está em casa não pode que a incomoda, e quando ela está incomodada, a vida dele corre muito mal.

    a porra do aspirador é ligado todos os dias, e a minha preferida é quando o liga í s 8 e tal/9 aos domingos de manhã mesmo por cima do meu quarto…isto depois de o ter tido ligado a tarde toda de sábado…é tipo, arranja um hobby qualquer, gaja…

    eu costumava remar í  noite, das 10.30 í s 11.30 enquanto via as séries na rtp2…uma noite ai meu deus que a estavam a incomodar, nunca é ela que se vem queixar manda sempre o gajo que ou se levanta e vai ou de certeza que leva sermão, eu fiquei ok, faz barulho está bem, não sabia, desculpem, passo a remar de dia, o estranho é que durante meses e meses remava í s 2 e 3 da manhã e aí­ nunca ouvi queixas.

    no dia a seguir, ele veio-me pedir desculpa que ela estava mal disposta e mais não sei o quê…fico possessa porque gramo com o aspirador, gramo com a barulheira constante de obras ao fim-de-semana, e nunca me queixei, estava a cozinhar e literalmente levei com um monte de massa de cimento em cima vindo da chaminé e consegui não explodir mesmo depois de ter tido de lavar o cabelo 10 vezes…

    mas seja, comecei a remar í  semana a ouvir o Lateralus dos tool de uma ponta í  outra e a um bom som, porque é de dia e eu posso ouvir música mais alta, estranhamente vieram ter comigo e disseram-me que já podia perfeitamente remar í  noite, eu só disse, não gosto mais com a música do que com a televisão.

    destruiram-me o jardim todo, sem virem falar comigo, queriam passar um cano qualquer, tudo bem, na boa, disseram que não me queriam incomodar porque era responsabilidade deles…não discordo disso, mas tinham vindo falar comigo, que eu tinha tratado de tirar as minhas plantas, basicamente deram-me cabo de 2/3 das minhas plantas, que meteram no lixo sem falarem comigo, para não falar do choque de acordar com o carteiro a tocar, abrir a porta cheia de sono e ver todos os cromos na frente da casa e ver que as minhas plantas tinham ido de vela…e aquela cara de sonsos a dizer no final que o jardim estava exactamente como estava antes…argh, e eis que ela liga o aspirador…oh alegria…

    bjs, ana

  14. Rita says:

    Infelizmente, sob o risco de soar racista, já não há sí­tio onde uma pessoa não tenha que gramar com os berros em português com sotaque sul-americano. Eu vivo num prédio que posso dizer que é dos “mais melhores” e nem isso me salvou de gramar com uma brasileira mais a sua “posse” porque arranjou um português divorciado e carente que a meteu a viver aqui num dos apartamentos e sustentá-los. Eles atiravam garrafas pela janela para cima de carros, ela gritava como um animal a ser torturado durante a noite enquanto faziam “o amor” e eu que tentasse dormir com os berros. A cereja no bolo foi mesmo quando ela esmurrou o carro da minha mãe a fazer uma manobra com o carro dela, a minha mãe viu-a pela janela porque o alarme do carro soou, e quando foi confrontá-la, ela mentiu na cara da minha mãe, disse que não tinha sido ela e o tanso português que a sustentava acreditou e começou a chamar mentirosa í  minha mãe. Só aí­ eu contemplei ir para a prisão porque se há coisa que me tira do sério é injustiças com a minha mãe e estive prestes a passar-me.
    Não sabem ser civilizados, nem se adaptar í  sociedade … e nós é que temos que gramar com isto. Eu já estou como a Dee, ela fazia-me o que te fez a ti e eu acho que ia buscar uma faca.

    O pior disto tudo, é que podes mudar de casa, podes até ir para apartamentos mais caros, mas enquanto houver babosos portugueses carentes dispostos a sustentar as suas amantes importadas e a metê-las nas melhores condições, nós acabamos por aturar os seus modos, ou falta deles,

    Vamos ser honestos aqui, é um facto que o “grande negócio” agora no brasil é arranjar portugueses que as tirem de lá e as sustentem cá em Portugal, conheço muitos casos e não adianta não mencionar com medo que soe racista.

    Há quem venha para trabalhar, há quem venha para ser sustentado, e isso não teria mal nenhum, se todos se adaptassem ao sí­tio onde vivem. O que não é o caso. Eu felizmente livrei-me dessa tal vizinha, espero que tu também consigas em breve. Ninguém merece!

  15. Macaco says:

    Acho que o fascismo não tem nada a ver com isto. Nem sequer o racismo. Xenofobia, talvez; mas sinceramente, parece-me justificado.

    Aposto que os portugas de bigodão e medalhão ao peito que emigram para o Canadá também não são assim lá muito apreciados.

    O problema aqui é que a maioria da zucada que vem para Portugal não presta. De certeza que o Brasil está cheio a abarrotar de gente fantástica, simpática, calma, cí­vica e educada. Mas nós aqui parece que só levamos com o lixo.

    Talvez seja vingança por andarmos a exportar o nosso próprio lixo para a França, Suiça e Canadá durante tantos anos ;-)

  16. Nmerdas says:

    AHAHAHAHAHAH

    o castigo divino que temos de carregar.

    Meus amigos, quem não quer ter de dividir o espaço compra uma vivenda. e vai morar para o meio do mato. Claro que todos somos civilizados mas seremos mesmo capazes de viver a 3 metros de completos desconhecidos e ser tolerantes?

    Eu sei que não sou. Moro num prédio onde só eu e um vizinho meu temos menos de 50 anos e não me posso queixar de barulhos, remadelas, aspiradelas, actos loucos de amor e tento que os meus vizinhos possam dizer o mesmo de mim, mas será que consigo?

    As palavras não têm nada a ver com xenofobia ou racismo. são tolerência e respeito (pelo próximo).

  17. Macaco says:

    Pois, NMerdas, acho que o pessoal aqui fala de xenofobia pq estão todos com vontade de gritar: “TOU FARTO DE BRASILEIROS!”, mas têm medo de o fazer, porque não querem soar a extremistas.

    Quanto í  tua sugestão da vivenda, deve ser bem fixe, com crianças então, sensacional em termos de espaço para brincar. Lamentavalmente nem toda a gente é um cagão de merda com dinheiro para comprar uma vivenda.

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