Lentidão no coração
Publicado em , por Pedro Couto e Santos
Incomoda-me ver as coisas andar devagar; tendo em conta que vivo em Portugal, estou num estado de incómodo quase permanente.
Até compreendo que algumas coisas andem devagar porque não podem andar mais depressa: coisas que até se podiam modernizar, mas não se modernizam porque não há dinheiro, por exemplo. Mas há outras coisas que me deixam sempre a pensar que é só falta de capacidade de pensar um bocadinho mais no assunto.
Há uns anos atrás, foi introduzido em Lisboa um cartão electrónico para circular nos transportes – o Lisboa Viva. Passados alguns meses, esse cartão começou a ser válido na Transtejo.
No entanto, durante algum tempo, foi preciso colar o selinho autocolante no cartão. Porquê? Aparentemente, porque os revisores da TT não tinham como validar o passe e demoraram mais uma molhada de meses a ter aparelhinhos para ler o conteúdo do chip e confirmar que o mesmo se encontra válido.
Fico na dúvida: será que não houve dinheiro para comprar imediatamente os ditos aparelhos? Ou será que alguém se esqueceu do assunto?
Andar com um cartão electrónico onde depois é preciso colar um selo todos os meses é completamente pateta, parece-me. Bem como ter que me dirigir a um guichet para carregar o dito cartão.
Assim que recebi o meu cartão, a primeira coisa que me ocorreu foi: porreiro, acabaram-se as bichas para o passe: com um cartão electrónico, devem haver por aí máquinas onde faço o meu carregamento quando me apetecer.
Mas, claro, não havia.
Havia de passar mais um aninho ou dois antes de aparecer máquinas onde eu posso colocar o meu cartão para o carregar, evitando bichas idiotas em frente a guichets estúpidos.
Ainda hoje usei uma das ditas máquinas. Aproximei-me e verifiquei que tinha um slot para colocar o meu passe, o que fiz. O passe foi reconhecido e foi-me dada a opção de o renovar por €22,20.
Primeira tentação é, evidentemente, puxar do cartão de débito. Mas calma, porque as coisas não podem funcionar assim tão depressa e o pagamento por multibanco não se encontra disponível nestas máquinas. Será, certamente, preciso esperar mais uns largos meses.
Peguei então numa nota de 20, mas percebi rapidamente que a máquina não tinha noteiro. Não aceita notas, não aceita MB, mas aceitou o meu passe. Como esperam que eu pague mais de 20 euros? Em moedas?
Desisti dessa máquina que percebi que estava ali apenas para vender bilhetes simples (apesar de aceitar o meu passe), passei í seguinte. Multibanco também fora de serviço, mas noteiro a funcionar. Só que exige a quantia exacta.
Exigir a quantia exacta para pagamento de passes de transportes públicos é muito pouco prático, mas não dizer completamente idiota. Já me aconteceu não conseguir comprar o passe porque apenas tinha 30 euros na carteira. Por acaso hoje tinha, efectivamente, €22,20, pelo que consegui comprar o passe.
No final, a máquina pede-me que retire o título e o recibo… mas não saiu nenhum recibo. Acrescento, como informação importante que, a TT avisa nas estações que o recibo é essencial prova de compra do passe e poderá ser pedido pelo revisor.
Este mês, não tenho recibo.
É claro que, enquanto a TT instalou, há escassos meses, máquinas para carregar cartões electrónicos; e implementou a duração de 30 dias para carregamentos, eliminando a história do passe de cada mês, eu já estou a pensar noutra coisa mais interessante: contas de utilizador online, onde eu posso associar o meu cartão de crédito ao meu título de transporte.
Aí, poderia consultar todas as viagens que fiz e pagá-las convenientemente. Isto seria extremamente prático pelas mais diversas razões: nunca mais precisaria de trocos para pagar bilhetes, máquinas, guichets e bichas. Além disso, com um só cartão, poderia viajar em qualquer transporte, as vezes que me apetecesse, pagando a conta no fim do mês. Poderia ter descontos se adquirisse viagens num qualquer formato pré-pago, etc, etc, etc.
Porque é que eu não hei-de poder meter-me num autocarro, em Lisboa, se me der jeito? Tenho obrigatoriamente que ter dinheiro no bolso e ainda por cima, convém que seja trocado ou perto disso. É uma idiotice, quando eu até tenho, no bolso, um cartão que é aceite pela Carris.
É, no fundo, como a Via Verde. Uma excelente invenção norueguesa, em uso em Portugal desde 1991, é uma ideia extremamente prática que devia ser adaptada o mais rapidamente possível a todos os sistemas em que pessoas e veículos tenham que passar por uma cancela.
O sistema existe desde 1988, há 20 anos, e no entanto, além das auto-estradas, é pouco usado: existe nalguns parques de estacionamento, mas não todos e nalguns postos de abastecimento da Galp.
Eu sou grande adepto dos débitos directos e nunca me dei mal com nenhum: pago a electricidade, água, gás, internet e televisão directamente da conta bancária e ainda me custa a crer que haja gente que tenha paciência para ir para lojas, tirar senhas e esperar horas a fio para pagar uma conta.
Mesmo pagar as contas no multibanco é uma seca: é mais fácil esquecermo-nos e deixarmos passar, além de que entope a bicha do multibanco e é extremamente irritante quando alguém quer apenas levantar dinheiro.
Que bom seria, se o meu cartão Lisboa funcionasse como via verde: podia usar os transportes que precisasse e, no fim do mês, a conta era paga sem me chatear.
Mas bem posso esperar mais 20 anos, antes que algo como isto exista, efectivamente. É sempre tudo tão lento…