Publicado em , por macaco
Tio,
Cá te escrevo. Como te encontras, velho pirata? Um pé na terra outro na água, a olhar em frente, como sempre?
Como sempre.
Lamento não ter nada de bom para te contar. Lamento e lamento novamente. Lamento-me. Tenho o tecto a cair, é uma chatice. Já mandei arranjar, mas nada. Já subi ao escadote e andei para lá, mas sabes que nunca fui bom nestas coisas.
Resultado: acabou por cair ainda mais por lá ter ido mexer.
Tenho tido frio e calor, alternadamente. Não tenho tido descanso, nem paz por causa da maldita goteira na casa de banho. Sabes? Aquela que uma vez me ajudaste a arranjar… está outra vez na mesma: pinga, pinga num ritmo variável, pinga e não me dá descanso. Como anseio por uma torneira que, pingando, pingue sempre na mesma cadência… algo simples, algo a que eu possa bater o pé e talvez mesmo cantar.
Tio, encontrei um saco na mata atrás do casebre. Lá no fundo, no sítio onde a terra se encontra com a estrada e depois disso, mais terra, mais árvores… encontrei lá um saco. Ainda o trouxe para casa, mas estava roto. Sei que sabes remendar estas coisas, portanto guardo-o cá em casa para quando cá vieres. Talvez até te dê jeito para levares os livros.
Sinto-me lento, tio. Sinto-me parar. Estou cansado. Tenho pensado pegar num cavalo e num cantil e ir para Norte, às terras do velho pai, para lá do Inverno e passar lá uma temporada. Fazer coisas simples, apalpar o tempo, dormir.
Sinto-me imóvel. Mais do que imóvel, imovível. Precisava se calhar que viesses até cá para falarmos um bocado. Bebíamos um copo, comíamos umas castanhas, podias vir… antes que fique mais frio, antes que caia o resto do tecto.
Volto ao trabalho agora, tio Henriques, tenho coisas para fazer. Mais logo passo no pântano e trago-te notícias de lá. Se não me afogar.
Se não me afogar, tio, escrevo-te em breve.
Teu sobrinho.