Publicado em , por macaco
Hoje quando saí de casa, por volta das oito e meia, para ir trabalhar não imaginava o que me ia acontecer.
Todos os dias atravesso um parque de estacionamento descoberto, em Cacilhas, para chegar í estação da Transtejo e apanhar o velho cacilheiro, sou marinheiro, etc, vocês sabem.
Desta vez, quando ia a meio do parque, a tentar tapar as orelhas com a gola do casaco para me proteger do vento cortante que me faz gelar todas as manhãs, reparei numa bota que era visível um pouco mais í frente, entre dois carros.
É daquelas coisas a que normalmente não se liga, mas não se deixa de dar uma olhada, pelo curioso de ver uma bota abandonada, deitada no chão, entre dois carros num parque de estacionamento. Ocorrem-nos sempre pequenas histórias de como poderia aquela bota ter ido ali parar.
Quando passei olhei e vi que a bota não estava sozinha. De facto, a bota tinha um homem lá dentro. Ou melhor: entre os carros, deitado no chão, jazia um homem já de uma certa idade, gordo, claramente vomitado, cujo pé ainda calçado me havia chamado a atenção.
Um pouco contra os meus instintos aproximei-me da figura aparentemente insconsciente e espreitei melhor. Era um fulano enorme, vestido de bombazine vermelha, muito coçada e gasta, com inúmeros remendos e rasgões ainda por remendar. Tinha a cara esborrachada contra o macadame, fazendo a bochecha espalmar-se por baixo do peso da cabeça e a boca abrir-se ligeiramente.
Cheirava mal e tinha aspecto de quem tinha passado vários dias a beber antes de acabar por deixar-se simplesmente cair ali no meio de lado nenhum, ao frio.
Reparei que tinha um grande saco ao seu lado, cheio de embrulhos, alguns dos quais transbordavam para o pavimento. Inclinei-me para ver melhor, evitando respirar pelo nariz para não me deixar enjoar pelo fedor do velho.
Um dos embrulhos era em forma de cubo e tinha o papel meio arrancado. Por dentro era preto. Aquilo despertou a minha curiosidade e não resisti a pegar na caixa e desvendar o seu conteúdo.
Era um iPod. Novinho em folha.
Abri a caixa de cartão cúbica ao meio e lá estava “made by Apple in California” e “Enjoy”. Abri as paletas de cartolina branca e lá estava ele a olhar para mim. Olhei em volta, ninguém.
Meti o iPod na mala e fui-me embora. Chamei-lhe “precious” e é uma maravilha!
Não posso deixar de comentar:
???
(fim do comentário)