Publicado em , por Pedro Couto e Santos
Bem vindos À segunda edição desta enciclopédia. Passou já mais de um ano sobre a primeira edição e urgia por no “papel” mais algumas informações fundamentais para quem se desloca nas estradas e ruas de Portugal.
Conduzir é uma actividade perigosa, mas o perigo aumenta exponencialmente sempre que não estamos sozinhos na estrada. Vejamos então mais alguns destes perigos sobre rodas e formas de lidar com eles:
Práticas Comuns do Automobilista Português:
Ultrapassar pela direita (O Dextroultrapassador)
O automobilista português gosta de ultrapassar. Este é o facto mais importante da sua vida: ultrapassar. Estar í frente é tudo para este condutor latino, estar atrás, é o mesmo que ser um “maricas”, “nabo” ou “cepo”. No nosso país, bem como na maioria do mundo civilizado, os condutores sentam-se do lado esquerdo do veículo, lado pelo qual se devem efectuar as ultrapassagens pela simples razão de a atenção e visibilidade do condutor ultrapassado serem melhores.
Mas que grande monte de tretas! O condutor português quer lá saber disso! Não é perigoso? Então qual é o gozo? A verdade é esta: se o condutor estiver atrás e quiser passar para a frente (e quem não quer?), qualquer dos lados serve, desde que haja uma nesguinha.
Há várias maneiras de se divertir com um dextroultrapassador. Por exemplo, certifique-se que nunca deixa espaço para que passe de qualquer dos lados, mude de faixa frequentemente, gorando sempre a tentativa de ultrapassagem por qualquer dos lados. Mas a minha favorita só pode ser efectuada na estrada: impeça que o condutor atrás de si o ultrapasse, mas conduza a um ritmo relativamente lento, despertando na sua vítima o intenso desejo de o ultrapassar, depois, impeça algumas vezes a ultrapassagem pela esquerda, mas dê espaço í direita… se a vítima for um Verdadeiro Automobilista Português, não hesitará em aproveitar a deixa.
Certifique-se que apenas lhe dá passagem quando í sua direita houver um precepício. Quando a ultrapassagem for a meio… encoste-se levemente í direita.
Perseguir outros condutores (O Motorista Persecutório)
O fenómeno ainda não está bem estudado, mas é verdadeiro. Os Automobilistas Portugueses gostam de perseguir outros automobilistas. Na estrada, na auto-estrada e mesmo na cidade esta constatação é verídica. Eu sei porque já me aconteceu e conheço pelo menos mais dois relatos fide-dignos.
Os Automobilistas Portugueses são, como já vimos na edição anterior, ases do volante… são condutores experientes, calejados… e o problema é mesmo esse: os calos. É que não se podem pisar os calos de um Verdadeiro Automobilista Português (VAP).
E como se pisam os calos do VAP?… Como diria o poeta: “…let me count the ways”. Circulando normalmente nas estradas de Portugal é quase impossível NíƒO pisar pelo menos de vez enquando, os calos a um VAP. Uma ultrapassagem legal, uma buzinadela de aviso (tipo “olhe que leva a porta aberta”), um gesto que faça na privacidade do seu veículo e que possa ser interpretado como um insulto ao VAP ou até mesmo apenas entrar numa faixa de rodagem de forma perfeitamente legal e sinalizada mas… À FRENTE de um VAP. O que fazer?
É quase impossível dizer o que se pode fazer quando se encontra um VAP com a mania da perseguição (não confundir com paranóia, estou mesmo a falar da mania de perseguir os outros), pois as variáveis são imensas. Poderá fugir-lhe por caminhos alternativos, poderá deixa-lo passar e persegui-lo você, poderá talvez mesmo chamar a polícia.
Não sei explicar porque alguns VAPs metem na cabeça perseguir outros condutores. Não compreendo, porque no dia-a-dia nas ruas, a pé, não se vêem pessoas a perseguirem-se umas í s outras, por esta ou aquela indelicadeza. Se algum dia se vir perseguido por um VAP… improvise. Meça bem a situação e faça o que o instinto lhe mandar, mas faça os possíveis por fazer o VAP sofrer uma qualquer consequência do seu acto imbecil: tente fazer com que se estampe, siga por um caminho que não pretendia seguir, mas que seja longo e aborrecido, leve o Motorista Persecutório atrás de si até que se farte. Finalmente, a melhor hipótese depende da sua capacidade de arrear. Se for bem dotado e souber bater, deixe que o Motorista Persecutório o apanhe e saia do veículo atrás de si, saia também, mas não fale, não se mexa, não se desloque… aguarde apenas a sua chegada. Depois, dê-lhe um enxerto de porrada.
Fazer corridas nos semáforos (O Schumacher dos Sinais)
É outro facto: os VAPs gostam de corridas. Os semáforos são para um VAP uma verdadeira grelha de partida de um grande circuito mundial e eles têm a pole position. Primeiro olham para si de lado, como que a confirmar a corrida, depois dão uns toques no acelerador, fazem o carro avançar um pouco e depois um pouco mais… sempre naquela actividade tão portuguesa de “picar”.
Este génio da ciência automóvel acha que arrancar a chiar os pneus, acelerando o mais que lhe é possível no meio de uma cidade é uma actividade que o faz subir vários pontos na escala de produção de testoesterona do seu bairro ou sociedade filarmónica local.
Se tiver uma mota então, vai deparar com muito mais Michael Schumachers dos Sinais Luminosos, isto porque como são dotados de um QI baixíssimo, os VAPs acreditam que o seu carro em particular consegue “ganhar” a uma mota. Não consegue.
Como agir? Fácil: nunca ceda. Nunca entre na corrida. Mas faça de conta que sim… entre na dança, acelere, engrene o carro e dê-lhe arranquezinhos… e depois, quando o verde surgir, fique alegremente para trás. Arranque o mais lentamente que lhe seja possível sem atrasar o trânsito do semáforo. Se possível, vire na primeira transversal, indicando que nem sequer pretendia seguir em frente.
Deixe o Schumacher seguir sozinho… de qualquer maneira, é sempre ele que ganha.
Usar as faixas fechadas, Seguir nas faixas do bus, Ultrapassar as filas e entrar � frente de toda a gente & Seguir na berma evitando as filas. (O Ultrapassador de Filas)
Estes quatro comportamentos são agrupáveis porque todos se prendem com uma ideia muito comum entre os Verdadeiros Automobilistas Portugueses: “sou mais esperto que os outros”.
Não é segredo para ninguém que por vezes se formam filas de automóveis. Existe um atraso, um acidente, uma obra, uma faixa encerrada por motivos desconhecidos, ou simplesmente carros a mais e estrada a menos e forma-se uma enorme fila de carros, uns atrás dos outros, andando uns escassos metros de cada vez. Mas se observarmos o comportamento dos VAPs nestas alturas, chegamos rapidamente í conclusão que, afinal, as filas são para os tansos. Senão vejamos…
Existe uma fila para uma portagem, demasiados carros a parar para pagar a sua passagem e seguir em frente causam uma natural acumulação de trânsito. A fila apenas não existe em frente í s cabines de portagem que não estão em funcionamento, por razões óbvias: ali, ninguém passa, a cancela está fechada. Oportunidade de ouro para o VAP! Para quê ficar meia-hora numa fila para chegar í portagem? Nada disso! O VAP coloca-se assim que pode na faixa encerrada e segue até í s cabines de portagem a alta velocidade… já poupou meia-hora! Claro que agora precisa de se enfiar na portagem aberta mais próxima, mas isso não é problema, porque ele é um VAP e os outros são todos “cepos” das filas. Mais tarde ou mais cedo o VAP vai conseguir meter-se no princípio da fila e vai deixar para trás os outros. Ele é de facto mais esperto. Quem diz portagens fechadas diz faixas de bus.
Verifica-se uma situação semelhante quando saímos ou entramos em autoestradas, por exemplo… normalmente a via de acesso tem duas faixas que fecham numa só. Este facto está bem explícito em sinais de trânsito e sinalização horizontal (leia-se “setinhas no chão”) e portanto, os condutores respeitadores encostam í direita e formam uma fila, normalmente um pouco lenta, para, um a um, entrarem na via que se segue.
NABOS!
Qual é o problema da faixa da esquerda deixar de existir? Se não há lá carro nenhum, é mesmo por lá que o VAP vai! E a alta velocidade, de preferência… os outros que esperem pela sua vez. O VAP não tem tempo e chegado ao fim da faixa, trepa separadores se for preciso, ele tem é que chegar lá AGORA e não daqui a pouco.
Outra situação são as longas filas que se geram, normalmente em regressos de longos fins de semana de papo para o ar. O trânsito é dolorosamente lento e levam-se horas a chegar seja onde for… a menos, claro, que se seja um VAP… porque o VAP não hesita em usar a berma! Sim, a berma! Mas porque raio há-de o VAP estar parado numa fila infindável de “nabos” quando pode perfeitamente seguir a 100 í hora pela berma, que ainda por cima é larga e bem alcatroada? Quando for preciso voltar í estrada não há problema nenhum, há sempre um tanso que se desvia para deixar passar sua alteza.
Bem, todos estes comportamentos tâm apenas uma solução: não deixe entrar. Repito: NUNCA deixe um ultrapassador de filas entrar. Ele que sofra, ele que bata, se quiser, é ele que paga. Quando deixa um ultrapassador de filas entrar é o mesmo que o deixar ir a sua casa, sentar-se no seu sofá, virar-se para si e dizer: “você é um grande imbecil, eu sou, pelo menos, 100 vezes mais inteligente que você, sua besta”, pense nisto da próxima vez que vir um a tentar meter-se.
Se estiver no trânsito e vir passar ultrapassadores de fila na berma, ligue para o 112, certifique-se que avisa logo que não se trata de uma emergência, para não abusar do serviço. Depois avise que está parado na estrada tal e que há fulanos a circular na berma. Em pouco tempo estará lá a brigada da GNR, acredite, eles adoram ultrapassadores de filas.
Quando passar pelos VAPs parados a serem multados, ponha a cabeça de fora e grite “Pela lei e pela grei!”. É o lema da GNR. Vai fazê-los sentir mais zelosos.
Falar ao telemóvel enquanto conduz (Atendedores Crónicos de Telemóveis)
Já quase toda a gente atendeu uma chamada enquanto estava ao volante. É proíbido, mas já quase toda a gente o fez. No entanto não é dessa categoria de condutores que falamos… mas sim dos Atendedores Crónicos de Telemóveis. Os ACT existem por todo o lado… nunca deixam de atender uma chamada, quer seja o Dalai Lama ou o filho mais novo a pedir pastilhas elásticas quando voltar para casa, todas as chamadas são importantes, todas as chamadas são urgentes, em qualquer lugar, a qualquer altura.
Os ACT atendem chamadas na rua, no emprego, nos transportes, na biblioteca, em concertos, em lojas, no hipermercado/centro comercial (habitat natural) e até mesmo ao volante. É vê-los a alta velocidade, largamente acima do limite legal e com um grande sorriso estampado no rosto, tal é a alegria de terem um pequeno telefone entalado entre o ombro e a bochecha para poderem dizer algumas trivialidades a uma pessoa com a qual provavelmente não falariam em condições normais.
A verdade é que o ACT conduz bestialmente mal… podemos ver o seu veículo a descrever zig-zags pela estrada fora, a efectuar acelerações e desacelerações incompreensíveis… o ACT passa sinais de stop sem sequer os ver, ignora perdas de prioridade, passa com o semáforo vermelho e esquece-se de arrancar no verde. Tudo porque está ao telefone e nem se apercebe o quão distraído está.
Todos os ACTs pensam que estar ao telefone não os distrai e é isso que os torna perigosos; ficam tão alheados da realidade que se tornam um perigo assassino para todos nós.
O que fazer? Nada como um valente reality check. Arranque o ACT do seu edílico telefonema com buzinadelas fortíssimas e sinais de luzes, passe por ele e faça um ar alarmado, melhor, faça um ar de verdadeiro desespero e aponte vigorosamente para as rodas do ACT, deite uma mão í cabeça se puder e grite, grite muito, mas nada que o ACT compreenda, inclua apenas algumas palavras compreensíveis, como “pára-choques”, “roda de trás” ou “panela do escape”.
Deixe-o entrar em pânico, deixar cair o telefone para debaixo do banco, imaginar dezenas de problemas gravíssimos que se passem com o seu veículo… ele não terá a certeza se está a meter-se com ele, pois vinha tão distraído com o telefonema que não se vai lembrar se por acaso terá atropelado uma velhinha que ainda trás agarrada ao châssis do carro. Pode ser que da próxima deixe o telefone em casa.
E é tudo por esta edição. Esperamos que, em conjunto com o primeiro volume, esta obra possa ser útil aos nossos leitores. Ainda não está planeada uma terceira edição, mas nunca se sabe o que o futuro guarda.
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